Título: O desafio diário de ir e vir
Autor: Rocha, Carla; Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 21/03/2010, Rio, p. 18

Como cidades da América Latina e Caribe enfrentam problemas semelhantes aos do Rio

Carla Rocha, Cláudio Motta e Fabio Vasconcellos

A América Latina e o Caribe têm 576 milhões de habitantes e uma área de 20 milhões de quilômetros quadrados.

Ogigantismo, por si só, já justificaria um olhar mais atento. Mas, aotamanho, juntam-se outros elementos que aumentam a importância de umestudo mais aprofundado sobre a região, como uma população que não parade crescer em grandes metrópoles, com problemas tão complexos quantoqualquer outra no mundo, e economias emergentes que ainda lutam contraindicadores sociais longe, às vezes muito longe, do ideal.

Asérie Caminhos da América começa hoje em parceira com os jornaisque integram o Grupo de Diários América (GDA) , fazendo umaradiografia dos transportes de massa nessas grandes cidades docontinente latino-americano.

Nos próximos dias, serão abordadasoutras questões comuns às nossas, nas áreas de meio ambiente, segurançae habitação. Favelas como o PavãoPavãozinho, em Copacabana, revelam aponta do iceberg do déficit habitacional no Rio. As reflexões dotrabalho têm sempre o mesmo ponto de partida: a cidade do Rio

Se quiser ganhar a corrida para resolver os seus problemas detransporte, o Rio precisa tirar o pé do freio. Numa perspectiva geraldo que acontece em outros países da América Latina e do Caribe, saltamaos olhos que as soluções apontam para a integração viária e a criaçãode modelos alternativos de deslocamento. Ninguém parece discutir adireção. Mas, enquanto os outros se apressam, o Rio segue em ritmolento ou, em alguns casos, desacelera. Os corredores expressos paraônibus e o metrô são a prova disso. Ao passo que a Cidade Maravilhosaainda planeja sua primeira via exclusiva para ônibus e contabiliza 34estações de metrô, Bogotá já opera um sistema de BRT (Bus RapidTransit) com 114 estações, que transporta, em média, 55 milhões depassageiros por mês. Já Santiago do Chile, que também inaugurou seusistema subterrâneo na década de 70, se orgulha de ter 101 estações demetrô.

A velocidade é um diferencial importante diante do crescimento da demanda de passageiros.

Santiagoinaugurou 26 novas estações de metrô em cinco anos quase 5,2 a cadaano. No mesmo período, o Rio ganhou apenas duas, Cantagalo, emCopacabana, e General Osório, em Ipanema. São dois milhões de chilenostransportados por dia contra 550 mil pelo metrô no Rio.

Metrô, alvo de queixas

O tempo pesou para o metrô fluminense, que perdeu excelência. Derápido, eficiente e confortável, tornou-se alvo de reclamaçõesconstantes, de superlotação a falhas operacionais. Para RonaldoBalassiano, professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, o Riosofre com a falta de continuidade e planejamento.

Hoje, ometrô está vivendo um caos. Um planejamento inteligente e interessantecomeçou a ser feito, mas descarrilou no meio do caminho. É precisoaumentar a frequência de trens ou, eventualmente, inaugurar umaestação, como Ipanema. O segundo problema foi o projeto fracassado daLinha 1A (ligação direta Pavuna-Botafogo). Como um novo serviço foiimplantado sem informação, sem preparar os funcionários? perguntaBalassiano.

Na comparação, o metrô do Rio leva menos gente, émenor e mais caro do que os sistemas em funcionamento em Buenos Aires,Caracas e Cidade do México. Bogotá ainda projeta sua rede, mas a cidadeestá lá na frente numa modalidade de transporte com DNA brasileiro: oBRT. Há tempos o Rio namora o sistema de corredores expressos de ônibusde Curitiba, obra do arquiteto Jaime Lerner, mas foram os colombianosque o implantaram antes. E mais: em 2008, a Colômbia deu início àconstrução de mais três troncos de corredores do TransMilenio, comprevisão de conclusão ainda este ano.

A presidente da ONG RioComo Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira, observa que, além deracionalização, o sistema de transporte carece de informações para arealização de um diagnóstico preciso.

Cidades grandes, como o Rio, precisam de um transporte de massa eficiente e integrado.

Osônibus deveriam alimentar e complementar os ramais metroviário eferroviário, o que reduziria os engarrafamentos. Infelizmente, estamoslonge disso afirma.

Segundo a ONG, a rede como um todo édesconhecida. O Plano Diretor da cidade previa que, em 2005, havia5,274 milhões de deslocamentos diários na Região Metropolitana do Rio,74% deles realizados por meio de transporte público. Os dadosatualizados sobre como se dividem os passageiros são fornecidos porsetor ou concessionária. São eles: ônibus, 2,511 milhões de pessoas pordia; trens, 500 mil por dia; metrô, 550 mil por dia; barcas, 90 a cemmil por dia, totalizando 3,6 milhões de pessoas.

Investimento insuficiente

Em razão dos parcos investimentos do passado, o secretário estadualde Transportes, Júlio Lopes, reconhece que, faltando seis anos para asOlimpíadas de 2016, o Rio corre atrás do prejuízo: A verdade é que afrota do metrô, de 30 anos, é antiga e com grau de intensidade de usotremendo. O acordo da renovação (da concessão) envolve a melhora desistemas abandonados há anos. Os investimentos em infraestrutura, depassivos trabalhistas a obras de ventilação dos trens, são de R$ 1,2bilhão.

Enquanto isso, Buenos Aires, além de sete novas estaçõesde metrô, investe numa rede múltipla: um corredor exclusivo de ônibusentre Palermo e Liniers e 50 quilômetros de ciclovias. O México apostaem linhas de metrobus corredores expressos de ônibus para aumentar acapacidade de seu metrô. E San José, na Costa Rica, discute aplicar US$345 milhões num trem elétrico para ligar a capital à província deHeredia, distante apenas 12 quilômetros.