Título: Governo Federal jogou para plateia
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 19/03/2010, Economia, p. 32

'Não tem lógica atribuir que o mar é carioca', afirma 'Governo federal jogou para plateia' Ibsen Pinheiro diz que Planalto apoiou indiretamente emenda dos royalties O DEPUTADO Ibsen Pinheiro: "Quando a emenda passar, volto ao Rio para pedir minha medalha de volta" Alvo principal dos manifestantes que tomaram o Centro do Rio na quarta-feira, o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) mantém a defesa da emenda que leva seu nome e revê a atual política de distribuição de royalties no país e provocará, se promulgada, uma queda de R$7 bilhões na economia do Rio. Ele diz que ela promove a justiça fiscal no país e que precisa ser complementada por outra que estabelece uma transição que evitaria o colapso das contas dos estados produtores. A União pagaria essa compensação. O deputado, ex-presidente da Câmara dos Deputados, acredita ter contado com o apoio velado do governo em todo o processo, pois ele nunca se empenhou verdadeiramente para derrotar sua proposta: "O governo jogou para a plateia". Gustavo Paul Quais as razões que o levaram a apresentar a emenda de redistribuição de royalties, com os deputados Humberto Souto e Marcelo Castro? IBSEN PINHEIRO: Há um sentimento muito forte no Congresso Nacional há 20 anos de que o modelo de distribuição de receitas é injusto, centralizador e desequilibrado. No bojo de um projeto do governo com urgência, todos identificaram a oportunidade. Não por acaso essa emenda tem 258 apoiadores. É preciso um tratamento equânime das receitas que são comuns a todos os entes federados. Por que o senhor diz que a emenda é uma reação a um acordo feito por poucas pessoas? IBSEN: Lamentavelmente, a condução feita na Câmara excluiu a negociação. A matéria ficou restrita a uma Comissão Especial. Todo esforço feito naquela ocasião para uma negociação ampla que levasse à distribuição equânime e à proteção dos estados beneficiários a partir de um período de transição foram rejeitadas, inclusive pelo governador do Rio, que apostou no enfrentamento, dizendo numa entrevista que o Rio estava sendo roubado. O senhor tentou conversar com o governo federal antes de apresentar o texto? IBSEN: Antes da apresentação da emenda, fui a três pessoas importantes. O líder do PMDB, o líder do PT e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Esqueceram de combinar com os russos. Não houve espaço para uma solução amigável. Deputados e senadores terão dificuldade de votar contra sua emenda, em pleno ano eleitoral. Foi uma estratégia apresentá-la na última hora? IBSEN: Não. A estratégia de colocá-la em votação no plenário teria de ser do governo. Se não tem o interesse do governo, não tem essa votação. A matéria jamais chegaria no Plenário, porque ela depende de urgência dos líderes. Ou seja, o governo apoia de forma indireta a emenda? IBSEN: Vamos falar mais claro. O governo lutou contra minha emenda, acho eu, jogando para a plateia. Para poder dizer aos governadores: "olha companheiros, perdemos essa luta". A evidência disso é que em 24 estados a votação foi unânime em torno da minha emenda. Isso jamais ocorreria se não fosse no bojo de um projeto do governo. O governo não abriu espaço para essa discussão? IBSEN: Acho que o presidente queria no início. A primeira declaração dele foi que mandaria uma rediscussão dos royalties. Na ocasião, recebeu os governadores Sérgio Cabral e Paulo Hartung que cobraram a retirada dessa matéria da mensagem. Foi uma atitude imprudente. A negociação sempre é boa, mas se você é minoria, ela é mais do que boa, é indispensável. E a ameaça de veto do presidente Lula? IBSEN: Como o presidente pode anunciar o veto de um texto que ele não conhece? Se chegar ao presidente o produto de uma guerra, não sei o que ele fará. Mas se chegar o produto de um amplo entendimento nas duas casas do Congresso, adivinho que teremos uma sanção festiva. Sua emenda causa uma redução muito grande das receitas dos estados produtores, sobretudo o Rio. O que senhor previa esse problema? IBSEN: Tínhamos clareza disso, tanto que tentamos uma fase de transição. Mas não se pode fazer uma transição que não seja negociada. Sua emenda traz um problema, à medida que desequilibra a economia do Rio? IBSEN: Não podemos ignorar que o Rio de Janeiro e o Espírito Santo sofreriam um baque nas suas finanças. E também alguns municípios de São Paulo e cinco do Rio Grande do Sul. Se negociarmos um mecanismo de transição que preserve as finanças desses estados e municípios não há porque desrespeitar a regra da equanimidade: todos são iguais perante a lei. O artigo 20 da Constituição diz que é assegurada aos estados e aos municípios participação no resultado da exploração de petróleo no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva. IBSEN: A propriedade desse patrimônio é da União. O termo "respectivo" se refere a território. Não tem lógica atribuir que o mar territorial é carioca, gaúcho. Mas e os impactos econômicos e sociais? IBSEN: Quanto ao impacto econômico e social ele é mais positivo que negativo. Traz empregos, plataformas, helicópteros. Se houver um vazamento na plataforma, nada indica que a mancha de óleo vai correr para a costa que está defronte. É mais provável que ela corra para o sul ou para o norte. Mas o senhor não leva em conta os impactos nas cidades? IBSEN: Talvez se possa fazer um dispositivo legal sobre dano ambiental, quando ocorrer. O Rio já distribui o crédito do petróleo por meio do ICMS que não é cobrado na origem. IBSEN: Nisso o Rio tem razão. Houve uma inversão sobre o destino e a origem no petróleo e na energia. Eu não nego razão ao Rio e sou dos que lutam por uma reforma tributária. Como o senhor vê a reação da população do Rio e do governador Sérgio Cabral? IBSEN: Não se pode esquecer o poder que tem o Rio. O poder de comunicação e das empresas de comunicação. Os veículos do Rio entraram nisso como se fosse uma guerra santa. O GLOBO é carioca. Eu compreendo isso. Os jornais gaúchos são gaúchos. E criou um clima emocional e eleitoral também. . E o senhor vai ao Rio com tranquilidade? IBSEN: Quando essa emenda passar compensando o Rio de Janeiro, vou pedir de volta minha medalha. Afinal, alguém teve que cuidar dos interesses do Rio na tramitação no Senado e eu fiz isso. oglobo.com.br/economia