Título: Batida de carteira
Autor:
Fonte: O Globo, 25/03/2010, Opinião, p. 6

Quando se pensava que aemenda Ibsen havia esgotado o repertório de tentativas de retirarrecursos dos estados produtores de petróleo - a primeira peça do gênerofoi a proposta do governo federal, porém destinada a recolher recursosde áreas do pré-sal ainda a serem licitadas -, surge mais uma manobra,agora da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com o mesmoobjetivo. Apresentada como suposta tentativa de conciliação entre aFederação e estados e municípios surrupiados em suas receitas deroyalties decorrentes de áreas já em produção, via emenda Ibsen, afórmula é risível.

Na linha de que só resta aos produtores perderem menos, a CNMdefende a manutenção dos royalties em troca do confisco dasparticipações especiais, recolhidas sobre os campos de grande produção.Sequer se chega a dar alguns anéis para preservar os dedos, pois algunsdeles também iriam junto, tamanho o peso dessas contribuições sobre asreceitas indenizatórias provenientes da exploração de petróleo. Comrazão, municípios fluminenses decidiram se desligar da confederação.

A emenda Ibsen e o projeto da CNM comprovam a existência de umagrave disputa na Federação por recursos tributários adicionais, mesmoem prejuízo de algum ente federativo. No caso dos municípios, a avidezpor aumento da arrecadação é especialmente grande, pois se trata de umuniverso de 5.564 cidades, a esmagadora maioria delas sem condições desobrevivência fiscal autônoma - vivem de repasses de estados e daUnião.

Agora, com a brecha aberta no pacto federativo pelo projeto decunho ideológico do governo Lula de mudar o modelo de exploração depetróleo, estados e municípios não produtores aproveitaram para avançarsobre uma receita constitucionalmente destinada a regiões específicas.Este canibalismo federativo tem como pano de fundo estados e municípiosacostumados a repassar a conta de suas despesas para o contribuinte.Como a capacidade de a nação financiar gastos públicos crescentes jáultrapassou o razoável, dada uma carga tributária insustentável, abusca por rendas extras volta-se agora contra estados e municípiosprodutores de petróleo. Não importa que se tente romper contratos, algoflagrantemente inconstitucional. O que vale é buscar dinheiro novo,mesmo à custa do equilíbrio das finanças do Estado do Rio e do EspíritoSanto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes,prevê que, se a emenda Ibsen vingar, o assunto será levado à Corte. Omesmo acontecerá com a tentativa de a CNM também bater a carteira dosestados e municípios produtores.