Título: O negócio milionário do tráfico
Autor: Costa, Ana Claudia
Fonte: O Globo, 25/03/2010, Rio, p. 12

Em dois anos, Roupinol e Nem movimentaram R$400 milhões com refino e venda de droga

POLICIAIS DO BOPE deixam o Morro da Mineira, no Catumbi, onde fizeram uma operação um dia após a morte de Roupinol: bandido foi velado na quadra da favela

Maior distribuidor de cocaína do estado, o traficante Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, morto anteontem durante a Operação 200, da Polícia Civil, no Morro de São Carlos, no Estácio, movimentou, junto do traficanteAntonio Bonfim Lopes, o Nem, da Rocinha, quase R$400 milhões em dois anos com a compra, o refino e a venda de cocaína. Uma investigação da polícia, que começou em 2007, após ter sido encontrada a primeira refinaria de cocaína na Rocinha, revelou que, a partir da pasta base, a dupla produziu no período seis mil quilos da droga pura, avaliada em R$96 milhões. Misturada a outros produtos, a cocaína tinha a sua quantidade multiplicada por quatro, assim como seu valor. Em dois anos, a quadrilha obteve R$288 milhões de lucro.

A cocaína misturada era vendida na Rocinha e no Morro de São Carlos, chegando ainda à Vila Vintém, em Padre Miguel; a favelas do Complexo da Maré, em Bonsucesso; ao Morro dos Macacos, em Vila Isabel; ao Morro da Pedreira, em Costa Barros, e a outras favelas menores, controladas pela mesma facção criminosa.

O lucro com a droga era usado pela quadrilha de Roupinol e Nem para comprar armas, atacar favelas e comprar mais pasta base de cocaína. Segundo a polícia, com o dinheiro, os bandidos também financiaram campanhas políticas nas comunidades e pagaram propinas a policiais. Durante a operação que resultou na morte de Roupinol, foram apreendidos documentos com parte da contabilidade do tráfico. O Morro da Mineira, no Catumbi, que também era chefiado por Roupinol, teria lucrado R$3 milhões com a venda de cocaína somente em janeiro. Nos papéis, também havia um balanço das armas da quadrilha local: 27 fuzis, 20 pistolas, dez metralhadoras (duas delas .30), duas submetralhadoras e três escopetas.

Para fazer da pasta base de cocaína, adquirida na Colômbia e na Bolívia, uma droga pronta para o consumo, Nem contratou nos últimos dois anos 217 pessoas na Rocinha e no São Carlos. Elas eram encarregadas de comprar numa loja no Centro produtos químicos como ácido clorídrico, ácido sulfúrico e éter, usados no refino da droga.

Para burlar a lei, que só permite a venda de dois litros de cada insumo químico por pessoa num período de 30 dias, Nem pagava R$40 a moradores da Rocinha, que se revezavam na aquisição dos produtos.

Policiais vigiaram loja por 30 dias

Policiais da 15ª DP (Gávea) descobriram o esquema quando começaram a rastrear os produtos encontrados na refinaria e descobriram que eram comprados na loja do Centro. Vigiando o estabelecimento, agentes observaram, por mais de 30 dias, os diversos compradores dos produtos químicos. Por força de lei, cada cliente era obrigado a deixar na loja nome, endereço e número de documento. Policiais, então, requisitaram o cadastro do estabelecimento.

Também está sendo investigado um funcionário que costumava reservar os produtos após receber telefonemas da Rocinha, muitas vezes do próprio Nem.

Para chegar aos 216 indiciados ¿ 60 do São Carlos e 156 da Rocinha ¿, com prisão decretada pela 36ª Vara Criminal, policiais da 15ª DP passaram meses debruçados sobre o cadastro da loja, cruzando nomes e endereços. Na maioria das vezes, os compradores dos produtos químicos forneciam endereço errado. Todos foram checados pela polícia. Jovens, homens e mulheres de até 58 anos da Rocinha estavam entre as pessoas que faziam as compras para Nem e Roupinol. Até a origem do liquidificador industrial utilizado no refino da droga e a balança de precisão dos traficantes foi rastreada. Em ambos os casos, o comprador era o mesmo e morava na Rocinha.

Durante a investigação, policiais prenderam Valter Morais quando ele saía da loja no Centro com uma carga de ácido clorídrico e ácido sulfúrico. Ele foi condenado a seis anos de prisão por associação para o tráfico.

Com a descoberta de três refinarias na Rocinha, em 2007 e 2009, e a morte de Roupinol anteontem, a polícia acredita que os laboratórios de refino agora estejam na Vila Vintém, favela distante do Centro e com uma quadrilha que é grande distribuidora de drogas.

Para o chefe de Polícia Civil, delegado Alan Turnowski, a facção a que pertencia Roupinol recebeu um grande golpe com a morte dele e a investigação.

¿ Acredito que eles terão dificuldade durante um tempo para adquirir cocaína. Pegamos o Roupinol, agora a hora do Nem está chegando. A gente vai pegá-lo ¿ disse Turnowski.

Ontem, um dia depois da morte de Roupinol, policias do Batalhão de Operações Especiais (Bope) foram ao Morro da Mineira. Segundo o comandante do Bope, tenente-coronel Paulo Henrique de Moraes, os PMs aproveitaram que a quadrilha ainda está desnorteada com a morte do chefe, para tentar encontrar armas e drogas. Foram apreendidos uma pistola, carregadores, centenas de papelotes de cocaína, trouxinhas de maconha e impressos com uma convocação do tráfico para que moradores comparecessem ao velório de Roupinol, na noite de terça-feira, na quadra do Morro da Mineira.

Ontem também, traficantes do Morro de São Carlos estenderam uma faixa preta na subida da favela, em sinal de luto pelo bandido.

oglobo.com.br/rio