Título: Estranhas preocupações
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 14/06/2009, Opinião, p. 17

Confesso que fiquei sem entender a razão de tanta resistência à instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. Agentes do governo e de sua base parlamentar contrários à criação do órgão não perderam tempo em censurar os senadores da oposição proponentes da iniciativa. Alegam que a imagem da companhia poderia ficar arranhada perante a comunidade internacional, daí advindo danos ao seu patrimônio moral e material. Os negócios contratados em várias partes do mundo seriam abalados pelas inquietações produzidas em razão das investigações, sobretudo por saberem como elas começam e não saberem como acabam. Acrescentam, ademais, que a Petrobras é orgulho do povo brasileiro, notadamente pelos altos conhecimentos de que dispõe, a reunir a maior bagagem tecnológica de todo o planeta na prospecção de óleo e gás em alto-mar.

As alegações por sua fragilidade não se sustentam. Entre os argumentos dos que não querem que a instituição seja investigada releva o risco à credibilidade. Como se cuida de empresa de peso na estrutura econômica nacional, pouco importa que, sobre atos de gestão de administradores, pairem suspeitas de irregularidade. O argumento parece se autoexplicar. É que, com base na premissa, se administradores cometem desmandos na direção dos negócios da companhia, nada demais, pois o que vale é o resultado econômico final. Em outras palavras, que se dane a ética, já que o fundamental é a higidez lucrativa do empreendimento. E que fique certo que a Petrobras vai muito bem, foi fundada por Getúlio Vargas, é a maior riqueza patrimonial da nação, glória dos brasileiros, já descobriu petróleo que não acaba mais e, se assim é, deve ser preservada. Seus engenheiros e operários já se permitiram enviar sondas às profundezas do pré-sal, provando que nele há óleo e gás em abundância. Isso é o suficiente para dizer que eventuais ilicitudes cometidas por administradores não justificam abertura de investigação parlamentar.

Se o governo faz de tudo para que a CPI não se instale, de outro modo também não quererá que as apurações de irregularidades na Petrobras, iminentes de acontecerem naquele órgão, possam ser realizadas pela Receita ou pela Polícia Federal. É de supor que esses órgãos jamais viessem a se contrapor à vontade de superiores hierárquicos. Assim como o presidente e seu governo não desejam a CPI, com mais certeza não hão de querer que órgãos do próprio Poder Executivo prestem-se ao mister. Não se sabe qual a razão por que até mesmo o presidente da República tem atuado pessoalmente para evitar que as investigações sejam feitas. Os senadores vão se desincumbir do encargo, é o que se presume, dentro das normas legais, e por certo não vão se portar como doidivanas a despejar torpedos por todos os lados. A primeira providência será saber se houve de fato sonegação fiscal e quais os responsáveis por sua existência. A segunda será saber qual é de fato a participação efetiva da empresa no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e se os recursos são aplicados corretamente.

A Constituição não excepciona ninguém do cumprimento da lei em função da relevância econômica que cada um tenha. Pelo contrário, sejam quais forem os suspeitos, órgãos públicos ou não, companhias mistas, fundações, autarquias, ricos ou pobres, poderosos ou desassistidos, todos estão sujeitos à lei, principalmente se pegos na prática de delitos. Ninguém quer destruir a Petrobras e nem esse é o caso. O que se deseja com a abertura da CPI é saber a verdade das acusações, como a apontada sonegação fiscal da Petrobras de mais de CR$ 4,3 bilhões. Esse é um dos motivos que levam à necessidade de apuração dos fatos, mas outros podem existir que exijam esclarecimento. A CPI é para isso. Nada mais.

Esperava-se que os trabalhos de investigação pudessem começar na terça-feira da semana passada, após vários adiamentos. Depois, passou para quarta-feira. Nada aconteceu e tudo ficou na mesma. Veio a quinta-feira, um feriado, e a semana acabou. Nas semanas anteriores também não foi possível a instalação. Afinal, ninguém sabe o que se esconde por trás de tudo a não permitir que as investigações se iniciem. O funcionamento das CPIs está regulado por disposição constitucional. Possuem poderes de investigação similares aos dos órgãos do Poder Judiciário. Completado o quorum do requerimento de formação para o órgão atuar, não se entende por que se nega sua instalação. Não é o caso de invocar o instrumento de obstrução parlamentar. A oposição tem direito de ver instalada a comissão, que, corretamente criada, tem que começar a trabalhar.

A sociedade vê com ansiedade o jogo de empurra-empurra em que se transformaram as CPIs das ONGs e da Petrobras. Não é possível que senadores da República não se entendam para pôr termo à insensatez. Já que o pretexto é a permanência dos nomes de presidente e relator da CPI das ONGs nas mãos da oposição, por que esta não cede o nome do relator ao governo e acaba com o impasse? É isso que os líderes do governo afirmam por que não dão quorum à CPI da Petrobras. Se não for mais um escapismo, que desmascarem mais uma vez os que não querem que nada se apure.