Título: Teólogo: Ratzinger conhecia todas as denúncias
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 26/03/2010, O Mundo, p. 34
Hans Küng afirma que Papa concentrou as investigações de pedofilia quando chefiava a Congregação para a Doutrina da Fé
PETER ISELY e Barbara Blaine, presos por participar de um protesto de vítimas de abusos por padres em frente à Praça de São Pedro
BERLIM. O teólogo Hans Küng acusou o Papa Bento XVI de tentar manter em sigilo casos graves de pedofilia em estabelecimentos da Igreja quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. Küng, que em 1979 foi punido com a suspensão da licença para lecionar teologia depois de pôr em dúvida o dogma da infalibilidade do Papa, afirmou ainda que Ratzinger, como chefe da congregação, teria recebido diretamente informações sobre todos os casos de pedofilia nas igrejas católicas do mundo inteiro.
Ao comentar a denúncia divulgada pela imprensa americana, Küng, suíço que vive em Tübingen, na Alemanha, lembrou de uma carta de Ratzinger de 2001, em que orienta as dioceses católicas a comunicar apenas ao Vaticano os casos de suspeita de pedofilia.
¿Processos desse tipo estão subordinados ao sigilo papal¿, teria escrito Ratzinger aos bispos em reação a um caso de abuso sexual praticado por um padre contra um jovem menor de idade.
¿ Ninguém foi tão bem informado dos casos de pedofilia na Igreja quanto Joseph Ratzinger ¿ disse Küng, que foi colega do Pontífice como professor de Teologia na Universidade de Tübingen, nos anos 60.
No ano em que se comemora cinco anos do Pontificado de Bento XVI, a Igreja Católica encontra-se na maior crise da sua história moderna no rastro de frequentes denúncias de abuso sexual, que abalaram também a Alemanha, terra natal do Papa.
O fato de Bento XVI não ter abordado os casos da Alemanha na carta divulgada no último sábado decepcionou os alemães e contribuiu para uma redução ainda maior do grau de aceitação da Igreja no país. No documento de sábado, o Papa criticou os casos de abuso na igreja da Irlanda mas não mencionou sequer numa única palavra os casos da Alemanha, que são mais atuais.
Christian Weisner, da organização católica ¿Nós somos a Igreja¿, diz que o Papa não é culpado, mas deveria assumir a responsabilidade como o representante máximo da Igreja. Ele aponta ainda o caso de um padre condenado por pedofilia que foi transferido para a diocese de Munique e Freisinger em 1980, durante o arcebispado de Ratzinger. O padre teria cometido novamente abuso contra crianças, o que seria do conhecimento da Igreja.
Ratzinger, que encantou a Alemanha depois de ser eleito em 2005, está perdendo rapidamente a popularidade entre seus compatriotas. Uma pesquisa divulgada ontem pela revista ¿Stern¿, revela um saldo bastante negativo dos últimos escândalos na terra do Papa: seu grau de aceitação entre os católicos alemães caiu de 62% em janeiro, para apenas 39% em março.
Hans Küng vê como consequência dos escândalos de pedofilia uma nova crise de credibilidade do Pontificado de Bento XVI depois de problemas que já haviam abalado o Vaticano nos últimos cinco anos, como um pronunciamento visto como crítico ao profeta Maomé, em 2006, na Universidade de Regensburg, que causou fortes reações no mundo muçulmano.