Título: Lula estende a mão ao Hamas
Autor: Oliveira, Eliane; Kresch, Daniela
Fonte: O Globo, 18/03/2010, O Mundo, p. 29

Brasil se oferece para mediar crise e busca apoio na Jordânia

RAMALLAH e AMÃ

Sob o olhar atento do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em seu segundo e último dia de visita aos territórios palestinos, que aceitaria se encontrar com líderes do Hamas para discutir a paz no Oriente Médio. E reiterou seu otimismo quanto a um acordo futuro, apostando que a crise entre Estados Unidos e Israel pode ter um saldo positivo para as negociações.

Divergência pode ser ¿coisa mágica¿

Para o presidente, a atual contenda entre americanos e israelenses acerca da expansão de colônias judaicas em Jerusalém Oriental pode levar a uma reviravolta na aliança que, há décadas, permeia a política local.

¿ O que parecia impossível aconteceu: os EUA tendo divergência com Israel. Quem sabe essa divergência era a coisa mágica que faltava para se chegar a um acordo? ¿ perguntou Lula. ¿ Acredito que uma desavença inesperada entre dois aliados pode ser a chave do sucesso do acordo que precisa ser construído e confesso que voltarei para o Brasil mais otimista do que cheguei aqui ¿ completou.

A onda de críticas a Israel por conta do anúncio das novas casas ganhou ontem uma nova voz, a do Rei Abdullah, da Jordânia ¿ com quem Lula também se reuniu, em Amã, no último destino da visita de cinco dias ao Oriente Médio. Em encontro com a chanceler da União Europeia, Catherine Ashton, o monarca afirmou que Israel pretende ¿se livrar dos moradores árabes de Jerusalém, muçulmanos ou cristãos¿.

Caso o Brasil mediasse conversas com o Hamas, Lula seria o primeiro chefe de Estado a negociar com os líderes do grupo islâmico, que há quase três anos tomou o controle, à força, da Faixa de Gaza, e é rival do Fatah, partido de Abbas.

¿ Não existe força política, de direita ou de esquerda, que o Brasil não tenha disposição de conversar.

Até porque eu acredito que o acordo de paz exige que todas as forças envolvidas sejam ouvidas, que participem do processo ¿ disse Lula, assinalando que ¿a Palestina não realizará seu sonho se estiver desunida¿.

Há meses, Hamas e Fatah negociam um acordo de união nacional que possibilite a convocação de eleições gerais e que acabe com o racha político interno palestino.

Recentemente, no entanto, Mahmoud Abbas revelou que o Hamas não assinou ainda esse acordo por ordem direta do Irã.

¿ Não me incomodaria se o Brasil conversasse com eles (Hamas) ¿ declarou Abbas, mesmo sem demonstrar muito entusiasmo.

Preocupado com a possibilidade de uma escalada na violência na Cisjordânia, Abbas defendeu que outros atores pressionem o Hamas em favor de um compromisso que a ANP firmou com o grupo, sob mediação do Egito. Ele também lembrou que a condição para que as negociações com Israel sejam retomadas é o fim da expansão de assentamentos nas áreas palestinas.

Lula foi o primeiro presidente brasileiro a pisar nos territórios palestinos.

Pouco antes de embarcar para a capital jordaniana, Amã, o presidente disse que ¿não existe ser humano mais otimista¿ do que ele.

Lula chamou Abbas de ¿companheiro¿ e disse que usaria toda a experiência que obteve no movimento sindical para ajudar num acordo de paz. Aos israelenses, ele disse ter enviado a mesma mensagem: ¿ Vim para dizer que nosso compromisso nunca foi tão forte. Chegou a hora de dar passos resolutos, corajosos, para deixar para trás mais de meio século de conflito e ódio. Por isso, o bloqueio a Gaza não pode continuar. O muro da separação deve vir abaixo. O mundo não suporta mais nenhum tipo de muro e ampliação dos assentamentos também precisa parar, sob pena de apagar definitivamente a chama da esperança.

Rei Abdullah II como parceiro estratégico

Depois de conversar com Israel e ANP, Lula passou a se concentrar na Jordânia, vista por altos funcionários do governo brasileiro como ¿o fiel da balança¿, que poderá conseguir o apoio de países importantes para que o Brasil ganhe espaço na mediação da paz. Ontem, ele conversou durante cerca de uma hora com o rei Abdullah II e hoje, último dia da visita, se reúne com o premier jordaniano, Samir Rifai.