Título: No Senado, a prova de fogo do pré-sal
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 22/03/2010, Economia, p. 21

Poder de veto da Petro-Sal, privilégios da Petrobras e o próprio modelo de partilha de produção devem ser questionados na Casa

Apesar de a discussão em torno da distribuição dos royalties do petróleo ter conquistado destaque político e dimensão nacional, o governo terá de enfrentar também questionamentos à espinha dorsal do marco regulatório do pré-sal durante a tramitação das quatro propostas que o compõem no Senado. Governistas dissidentes e oposicionistas devem se juntar para questionar pontos sagrados para o Palácio do Planalto: o poder de veto da Petro-Sal (nova estatal gerenciadora dos contratos de partilha) sobre as decisões dos consórcios produtores, os privilégios dados à Petrobras, inclusive fiscais, e o modelo de partilha de produção.

Desta forma, o encaminhamento dos senadores promete ser diferente do que foi na Câmara. É justamente isso o que o Palácio do Planalto não deseja.

Na Câmara os governistas eram maioria e conseguiram manter a essência dos textos elaborados por quase um ano pela comissão interministerial.

Na Câmara, foi aprovada a emenda Ibsen, que redistribui entre as unidades da Federação a riqueza do pré-sal e a dos campos já em produção, retirando R$ 7 bilhões anuais da economia fluminense.

Tendo de arbitrar a disputa federativa em torno dos royalties e a pressão sobre o projeto, o governo poderá abrir mão da urgência constitucional de 45 dias. De acordo com senadores, a tendência é se chegar a um acordo como foi na Câmara: haverá prazo maior de tramitação, com o compromisso de votar os textos até determinada data, possivelmente o fim de junho.

O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que representa as empresas privadas do setor, deverá reforçar o lobby entre os senadores, o que começou em setembro passado.

Nossa expectativa é que o Senado faça a avaliação dos projetos de maneira mais apropriada. Já ocorreram ali diversas audiências públicas e acreditamos que os projetos possam ser aperfeiçoados diz o presidente do instituto, João Carlos de Luca.

Na Câmara, De Luca apresentou 13 emendas a cerca de oito partidos, mas viu a discussão técnica se diluir na polêmica da distribuição de royalties.

O IBP bate na decisão de fazer da Petrobras operadora exclusiva de todos os campos. Ela argumenta que isso não seria bom nem para a estatal, pois a área do pré-sal é muito extensa e ela teria de operar as áreas boas e as consideradas ruins.

Existe espaço para acomodar todas as empresas, com campos grandes e menores afirmou De Luca.

O IBP alerta que, ao assumir o papel de operadora exclusiva, as demais empresas assumiriam um papel secundário no setor, o que pode levar a um desinteresse de investimentos. Outro ponto destacado é o poder da nova estatal, que irá coordenar a exploração.

O nome Petro-Sal deverá ser alterado por emenda para Pré-Sal Petróleo S.A.

Senador alerta para risco de paraíso fiscal

A estatal terá poder de veto sobre as decisões dos consórcios, o que desagrada aos empresários. De acordo com o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-ministro de Minas e Energia, esse poder reduz a transparência das decisões.

Não tem cabimento haver esse direito a veto unilateral sem nenhum limite diz Delcídio, que também questiona o fato de a Petrobras ser operadora única de todos os campos.

Envolvido na defesa dos royalties do Rio, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) não abre mão de questionar a introdução do modelo de partilha de produção. Para ele, a mudança não faz sentido econômico e acaba com o pagamento das participações especiais, o que significaria uma perda de receita futura do Rio e de seus municípios.

Não se pode restringir o debate à emenda. A emenda é uma facada por trás, mas a partilha é outra facada, só que pela frente. O sistema de concessão é o melhor para o país diz Dornelles.

O senador também alerta para um detalhe que passou despercebido no projeto da Câmara. O texto assegura que as empresas contratadas a Petrobras, que estará em todos os consórcios, e suas eventuais sócias receberão em óleo o montante que pagarão em royalties (porque royalty é custo de exploração e é critério de remuneração na partilha).

Isso cria um paraíso fiscal para as empresas. Elas praticamente não terão de pagar imposto sobre a produção afirma Dornelles.

A oposição promete não dar trégua para o governo. Sem concordar com a urgência constitucional e sem pressa para aprovar o texto, os oposicionistas querem mais tempo para discutir. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Demóstenes Torres (DEM-GO), decidiu que os quatro relatores dos projetos serão da oposição.

Nossa ideia é fazer algo equilibrado.

Vamos ficar atentos aos detalhes do modelo, para garantir a propriedade privada diz Torres O senador José Agripino Maia (DEM-RN) também defende mais tempo para discussão e também quer mais argumentos para mudar o regime de concessão para o de partilha: A não ser que se prove ao contrário, o modelo de concessão provou ser melhor para o país. Precisamos de um debate exaustivo para chegar lá.

Governo insiste na urgência de projetos

O governo vem repetindo que o mais importante é manter a essência dos projetos e por isso advoga a necessidade da urgência constitucional, como forma de controlar a discussão. A oposição duvida que ele vá conseguir. O senador Romero Jucá (PMDB-RJ), líder do governo, aposta nesta estratégia para aprovar os textos ainda este semestre: Precisamos aprovar os textos logo para dar uma sinalização ao mercado e para dar início ao processo de capitalização da Petrobras.

Mas ele terá que enfrentar vários obstáculos. Se estiver mesmo disposto a voltar ao modelo original, precisará alterar a emenda que inclui a Previdência Social como beneficiária do fundo social e a que permite o uso do FGTS na capitalização da Petrobras. Ambas fodos campos ram aprovadas na Câmara