Título: Farc libertam soldado capturado há um ano
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Fonte: O Globo, 29/03/2010, O Mundo, p. 23
Guerrilha deve soltar sargento amanhã, mas outros reféns terão de esperar negociações com governo colombiano
VILLAVICENCIO, Colômbia. Mantido em cativeiro há quase um ano pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o soldado Josué Daniel Calvo, de 23 anos, foi libertado ontem na selva do país, de onde um grupo humanitário, chefiado pela senadora de oposição Piedad Córdoba, o levou para Villavicencio, no departamento de Meta. Josué, segundo os guerrilheiros, sofria de uma doença desconhecida que o impedia de andar. No aeroporto, porém, o militar desceu sozinho do helicóptero, antes de ser recebido por sua família.
As Farc devem libertar amanhã mais um militar, Pablo Emilio Moncayo, 32 anos. O sargento é refém dos rebeldes há 12 anos. Os guerrilheiros anunciaram que esta será a última libertação feita unilateralmente. O governo terá de negociar a troca de presos, se quiser reaver os 20 capturados restantes.
O Brasil cedeu dois helicópteros militares para o resgate de Josué. Além de Piedad, a missão também era integrada por delegados da Cruz Vermelha Internacional e pelo monsenhor Leonardo Gómez, representante da Igreja Católica. O soldado, segundo a senadora, sentiu tontura durante o voo para Villavicencio. Às 13h11m, o helicóptero aterrissou na cidade, e Josué, vestido de camisa azul clara, calças escuras e tênis negros, abraçou longamente a família, com quem caminhou pelo hangar. Menos de duas horas depois, ele apareceu com um uniforme camuflado diante dos jornalistas, com a inscrição de seu sobrenome. O militar, porém, não quis falar com a imprensa, limitando-se a fazer sinais afirmativos com o polegar. Segundo o alto comissário para a Paz na Colômbia, Frank Pearl, o soldado acabara de sair de uma experiência difícil e, por isso, as autoridades compreendiam seu silêncio.
Piedad considerou a missão um sucesso e, no Twitter, escreveu: "Sim, a paz é possível, é irreversível". A senadora está à frente de um grupo de ativistas que defende a troca de insurgentes, presos pelo governo colombiano, por militares e policiais ainda sob o poder das Farc - a maioria foi detida pelos guerrilheiros há mais de dez anos.
Negociações despertariam controvérsias
Para as organizações não-governamentais que apoiam a senadora, o governo de Álvaro Uribe - cujo mandato termina em agosto - não imporá resistências às negociações. Mas a cientista política Sandra Borda, da Universidade de Los Andes, discorda:
- Definitivamente esta troca não vai prosperar antes do fim da administração atual - assegura. - A guerrilha está debilitada, mas longe de ser derrotada militarmente. Por isso, não contará com o governo de Uribe, que tentou golpeá-la com força durante seu mandato.
Sandra ressalta que, até agora, nenhum dos candidatos presidenciais manifestou-se a favor de negociações com as Farc, o que seria um tema impopular entre o eleitorado.
A libertação de Josué foi a primeira concretizada pelas Farc em 13 meses. No início de 2009, seis homens, entre eles dois políticos, foram soltos. Entre os que ainda estão em seu domínio, Moncayo ganhou notoriedade porque seu pai, Gustavo Moncayo, atravessou a pé metade da Colômbia para pressionar o governo a fazer um acordo humanitário com a guerrilha.
Os helicópteros da Força Aérea Brasileira e os 20 militares do país envolvidos com o resgate estavam na fronteira com a Colômbia há dez dias, à espera do sinal verde para a operação. O Brasil já participou da libertação de outros reféns da Farc, como as colombianas Clara Rojas, ex-candidata a vice-presidente do país, e Consuelo González, ex-deputada, resgatadas em 2008.