Título: A emenda que não veda o esgoto
Autor: Brandão, Tulio
Fonte: O Globo, 18/03/2010, Rio, p. 12

Sem royalties, elevatória do Recreio será uma das últimas obras do saneamento da região

A inauguração da elevatória de esgoto do Recreio, prevista para a próxima semana, será um evento simbólico não apenas para os moradores de toda a região e os jacarés-de-papo amarelo do Canal das Tachas: se a emenda do deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que redistribui os royalties de petróleo, for aprovada, a obra, orçada em R$ 70 milhões, terá sido uma das últimas realizadas com o dinheiro do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam), que é alimentado com recursos dos royalties.

O presidente da Cedae, Wagner Victer, estima que, caso se concretize a redistribuição do dinheiro para outras unidades federativas, deixariam de ser investidos cerca de R$ 300 milhões no saneamento de Barra, Recreio e Jacarepaguá até 2014. Pelo menos 11 obras de elevatórias de esgoto com seus troncos de apoio ainda não foram executadas: Se o corte for confirmado, a elevatória do Recreio será, realmente, uma das últimas obras de despoluição das lagoas da Barra e de Jacarepaguá.

As regiões onde ainda não há intervenção em andamento estão ameaçadas. E o problema avança também para a Baía de Guanabara, onde estavam previstos R$ 700 milhões em investimentos garantidos pelos royalties até 2014.

As obras nas duas regiões estavam previstas dentro do caderno de encargos dos Jogos Olímpicos. O presidente da Cedae diz que, caso os royalties sejam redistribuídos, o compromisso será descumprido. O caderno de encargos, no entanto, não menciona os efeitos de seu descumprimento.

A informação estaria no contrato entre o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a prefeitura do Rio, que ainda não foi divulgado.

Na Bacia de Jacarepaguá, algumas obras, como a elevatória da Lagoa da Tijuca e o sistema de escoamento da Península, ficarão prontas independentemente da decisão sobre a redistribuição dos royalties. Outras, como o sistema que ligaria toda a região de Pedra de Itaúna e os troncos coletores que ampliariam o saneamento do Recreio até as margens do Canal de Sernambetiba, passam à condição de ameaçadas.

Cedae: Recreio vai ficar mais limpo

No Recreio, entretanto, a elevatória que será inaugurada merece comemoração.

O sistema começa captando 300 litros por segundo de esgoto, mas tem capacidade para receber um volume quatro vezes maior.

De acordo com Victer, a nova elevatória beneficiará, num primeiro momento, cerca de 60 mil habitantes conectados à rede coletora de esgoto já existente. Diante da perspectiva de crescimento do bairro, o equipamento foi projetado para captar o esgoto de até 240 mil pessoas.

Victer garante que haverá uma evolução na condição ambiental do sistema lagunar da região, sobretudo da lagoa e do canal das Tachas: Quando a elevatória estiver ligada, vai haver uma mudança expressiva.

Mas vale dizer que a Cedae não é responsável pela hidrodinâmica dos canais e lagoas. Para haver a troca de água, será necessário abrir caminho com dragagem.

Caso não haja redistribuição de royalties, o diretor técnico da Cedae, Jair Otero, diz que haverá duas ampliações da rede nos próximos 12 meses, através de troncos coletores.

Uma tubulação vai seguir até a altura do condomínio Barra Bali, já nos domínios da Barra, e outra, até as moradias próximas ao condomínio Maramar, perto da Praia do Pontal.

Para reduzir a carga de esgoto nos canais e lagoas, a Cedae iniciará, em parceria com a prefeitura, um trabalho de investigação para descobrir ligações clandestinas no bairro.

O tronco coletor principal, que liga a elevatória do Recreio à estação de esgoto da Barra, tem um metro de diâmetro e se estende por 8,3 quilômetros. A companhia aproveitou a rede coletora já existente (construída anos atrás pela prefeitura) em parte do bairro no trecho entre a praia e a Avenida das Américas. A estação de esgoto que existia foi desativada, já que o efluente será tratado na Barra.

Os moradores esperam pelo saneamento.

Hoje, o odor de esgoto no entorno do canal das Tachas é regra. O estudante de gastronomia Felipe Góes, de 25 anos, convive com o mau cheiro e outros problemas: A coleta do esgoto vai fazer a diferença. Além do odor, temos problemas com mosquitos e baratas por causa das más condições.

Quando chove, a situação piora muito, fica insuportável.

A ambulante Maria Barbosa, casada com o porteiro de um prédio vizinho ao canal, também aguarda dias melhores no Recreio.

É tanto cheiro que às vezes eu nem sinto nada. Agora, por exemplo, estou achando o cheiro normal disse ela, em frente a um canal com odor de podre.

No Canal das Tachas, que passa ao lado do terreno onde foi instalada a elevatória, há duas saídas de esgoto clandestino que tornam o odor na região insuportável. Victer garantiu que, com o funcionamento do emissário, elas estarão fechadas, para a alegria de dois jacarés que na quarta-feira nadavam no meio do esgoto do canal.

Com os 300 litros por segundo do Recreio, o emissário submarino da Barra passará a lançar cerca de 1,5 mil litros de esgoto por segundo, depois de passar pela estação de tratamento no mesmo bairro. Victer estima que a coleta de esgoto em toda a bacia da Baixada de Jacarepaguá hoje esteja em torno de 60%, mas apenas em construções formais.

Ele reconhece que, com ou sem royalties, é difícil a tarefa de acompanhar o crescimento imobiliário da região.

A Barra e o Recreio são seres dinâmicos, em constante transformação.

Além da elevatória do Recreio, temos outras obras perto de serem concluídas. Em algumas áreas, como o próprio Recreio, estamos antecipando problemas futuros, com equipamentos dimensionados para uma população bem maior que a atual sustenta Victer.

As favelas ainda estão num estágio anterior em relação ao saneamento.

Segundo Victer, parte de Rio das Pedras está ligada à rede, enquanto o esgoto de outras favelas passarão por estações de tratamento de rio, como as hoje existentes no canal da Rocinha e no Rio da Carioca. Há previsão de instalação de algumas unidades nos rios que desembocam na lagoas da Barra até 2016.