Título: Cartão de advertência
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 27/03/2010, O País, p. 4

O fato de nunca antes neste país um presidente da República tersido advertido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fazercampanha antecipada é indicador de que alguma coisa de muito erradoestá ocorrendo no governo brasileiro. Foram duas advertências seguidas,e outros processos ainda serão analisados.

Ao contrário de se preocupar com a situação, o presidente Lulatrata o caso como se fosse uma mera questão administrativa, passível deuma revisão burocrática. O valor monetário da multa não é relevante,mas seu peso simbólico deveria ser, já que numa democracia um dospontos fundamentais é garantir que as eleições sejam disputadas emcondições de igualdade entre os concorrentes.

O presidente Lula está claramente se utilizando dos poderes docargo para alavancar a candidatura de sua preferência, a da ministraDilma Rousseff à Presidência da República, e se utilizando de suaimensa popularidade para jogar o eleitor que o admira contra a JustiçaEleitoral, constrangendo seus juízes.

Ainda existem muitos processos de antecipação de campanha paraserem julgados, e o presidente Lula, em vez de se sentir constrangidonos seus movimentos pelos limites legais, tenta constranger aqueles quevão julgá-lo.

Quando finge que está respeitando a legislação eleitoral, masincentiva a plateia a gritar o nome de sua candidata, está claramenteburlando a vigilância do TSE.

Quando pede indiretamente a ajuda dos presentes aos comícios parapagar a multa que lhe foi imposta, o presidente Lula está menosprezandoa Justiça Eleitoral, e mobilizando suas "bases sociais" paraenfrentá-la.

O que os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores em Processamentode Dados de São Paulo fizeram, ao organizar uma "vaquinha" para pagar amulta de R$10 mil que o presidente Lula recebeu por propagandaeleitoral antecipada em solenidade realizada na sede do sindicato,repete outros gestos, de outros tempos, quando o atual presidente doSebrae, Paulo Okamoto, pagou uma multa sua com o PT para legalizar asituação junto à Justiça Eleitoral, sem que a origem do dinheiroutilizado ficasse clara.

Lula se considera acima de certas contingências legais, ainda maisagora que está no auge da popularidade. As seguidas multas do TSE têmesse importante sentido de dar freios à obsessão de Lula de fazer "tudoo que for possível" para eleger sua sucessora.

E a função didática de demonstrar ao cidadão comum que ninguém estáacima da lei. Ficará mais difícil a partir de agora a continuação dessafarsa que é a série de inaugurações de obras inacabadas para divulgar acandidatura de Dilma Rousseff, ainda mais a partir de abril, quando eladeixará o governo.

A interpretação do advogado-geral da União, Luís Adams da Silva, deque a ministra poderia continuar a frequentar os palanquesgovernamentais nas inaugurações de obras públicas, mostra-se temeráriadiante da reação do TSE.

É claro que a presença de uma pré-candidata do PT num palanque dopresidente da República terá por si só uma conotação política evidente.

No julgamento de quinta-feira, em que o presidente Lula foi multadopela primeira vez pelo plenário do TSE, uma importante mudança decritérios foi adotada e pode passar a influenciar os demaisjulgamentos.

O relator Henrique Neves, que votou a favor do presidente, alegouque a jurisprudência do tribunal até aquele momento era de que não secaracterizava a campanha antecipada apenas pela citação do candidato, enem mesmo o fato de mencionar o candidato como o seu preferido.

Era preciso dizer que o seu candidato era o melhor para caracterizar o abuso de poder político.

O ministro Felix Fischer, porém, levou em conta "formasdissimuladas" de propagandear uma candidatura, ação em que Lula écraque, e mais a utilização da televisão oficial como forma subliminarde incutir no eleitor a ideia de que a candidata oficial é a melhor.

Ele destacou que, toda vez que Lula falava na necessidade decontinuidade, a emissora oficial mostrava a cara de Dilma Rousseff.

Foi, aliás, essa maneira subliminar de fazer propaganda que fez comque o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, mudasse seu votopara condenar o presidente.

Esse rigor do TSE com as maneiras indiretas de fazer propaganda deuma candidatura poderá dificultar muito os planos do governo federal decontinuar utilizando as inaugurações de obras para tentar promover acandidata oficial.

O Morro do Cantagalo, localizado entre Copacabana e Ipanema, nocoração da Zona Sul do Rio, será palco hoje da entrega depré-titularização das propriedades na comunidade, o que pode ser oinício de uma nova fase na política bem-sucedida de ocupaçãoterritorial do governo do estado em comunidades antes dominadas pelotráfico.

Durante quatro meses, com o financiamento do Instituto Gerdau e oapoio de escritórios de advocacia e de engenharia, o InstitutoAtlântico, o Projeto de Segurança de Ipanema e a Associação deMoradores do Cantagalo desenvolveram um projeto de cadastramento geraldos moradores e o levantamento da topografia detalhada do morro, com oobjetivo de conceder a titulação plena dos possuidores de lotes eunidades residenciais.

São 1.456 domicílios e cerca de cinco mil moradores, 79% dos quaisvivem lá há mais de 20 anos. O vice-governador Luiz Fernando Pezão, queestará presente, coordenou a parte do governo, que aprovou legislaçãoque autoriza o Poder Executivo a tomar iniciativas de alienação deáreas do estado hoje ocupadas por favelas, em benefício de seus atuaispossuidores, mediante determinadas condições.