Título: Convergência duvidosa
Autor: Batista Jr., Paulo, Nogueira
Fonte: O Globo, 20/03/2010, Opinião, p. 7

Não sei se estou ficando de miolo mole depois que vim aqui para oFMI. Mas a verdade, talvez constrangedora, é que estou gostando umpouco mais da política do Banco Central. Um leitor notou essaconvergência em artigo que publiquei recentemente na Folha deS.Paulo. Logo você que sempre foi tão crítico da política monetária,reclamou.

Bem. Eu poderia dar a célebre resposta de Keynes que,questionado durante uma palestra sobre as suas constantes mudanças deopinião, retrucou: Quando as circunstâncias mudam, eu mudo a minhaavaliação. O senhor não? Não seria tão taxativo, porém.

Primeiro,porque não mudo tanto de opinião. Ousaria apenas levantar a hipótese,meramente tentativa, de que a política do BC esteja melhorando aospoucos, sem descartar a outra hipótese, talvez mais realista, de que eué que esteja ficando pior.

Mas vamos aos fatos. Contrariando aavaliação de boa parte do mercado, que esperava um aumento, o Copommanteve inalterada a taxa básica de juros na reunião que terminouanteontem. Três dos oito integrantes do Copom teriam preferido aumentarem 0,5 ponto percentual a Selic, mas os demais votaram por mantê-laconstante, sem viés.

A divisão do Copom é compreensível.

Havia argumentos pró e contra o aumento dos juros. Do lado pró, o aumento da inflação neste início do ano, por exemplo.

Alémdisso, o relatório Focus do BC, que coleta as expectativas de mercado,vem indicando aumento da inflação esperada para 2010 há oito semanasconsecutivas. No último relatório, a expectativa mediana de inflaçãoaumentou para 5%. Acumulam-se, também, sinais de que a economia cresceem ritmo apreciável, o que dá algum suporte à preocupação com o riscode excesso de demanda.

Não obstante, o Copom parece ter acertadoem não aumentar os juros. A aceleração recente da inflação se deve emparte a fatores sazonais (reajustes de mensalidades escolares e detarifas de transporte público, que acontecem nesta época do ano) eacidentais (o efeito das fortes chuvas sobre os preços de alimentos).Indicadores do setor industrial sugerem, também, uma acomodação doritmo de crescimento da produção. Nos meses recentes, tanto o nível deprodução como o grau de utilização da capacidade instalada mostramalguma estabilidade.

Não se deve esquecer, ademais, que o realcontinua oferecendo os juros mais altos entre os principais países.Segundo levantamento da UpTrend Consultoria Econômica, o juro realbásico da moeda brasileira, de 4%, ainda é o maior em um grupo de 40moedas. Para esse grupo, a média atual é negativa em 0,5%. Nada menosque 22 das 40 moedas têm juros negativos em termos reais.

Dequalquer maneira, se for o caso de conter o ímpeto da demanda nospróximos meses, um aumento acentuado da taxa básica pode não ser omelhor caminho.

Em primeiro lugar, porque isso prejudicariadiretamente as finanças públicas. Em segundo lugar, e mais importante,porque reforçaria a já excessiva e problemática sobrevalorização doreal. A própria apreciação do real, além de desequilibrar as contasexternas e danificar o setor industrial, sobrecarrega também as contaspúblicas, uma vez que o governo é credor líquido em moeda estrangeira.

Queo Copom continue atuando com moderação! Caso seja necessário controlara expansão da demanda, o ideal é combinar a política de juros cominstrumentos fiscais e creditícios. Isso poderia significar, porexemplo, reforçar ou ampliar as medidas de ajustamento fiscal e derestrição do crédito já tomadas. Esse tipo de medida permite, em geral,controlar a inflação sem (ou com menos) efeitos adversos sobre a taxade câmbio e as finanças do governo.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo peloBrasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, masexpressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.

E-mail: pnbjr@attglobal.net.