Título: Um discurso estudado em detalhes
Autor: Brito, Ricardo; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2009, Política, p. 3

Depois da graça que Deus me deu com a cirurgia da Roseana, resolveu me fazer apanhar um pouco. Faz parte¿, disse o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao Correio enquanto subia no elevador rumo ao gabinete, onde teria os despachos do dia e faria os últimos ajustes no discurso da tarde em plenário. Cada palavra que ele proferiu ontem foi cuidadosamente estudada para atingir três objetivos: adquirir fôlego para reagir à crise como comandante da Casa, dividir as responsabilidades com os demais senadores e, de quebra, arrefecer qualquer movimento para tentar apeá-lo do cargo.

A redação final foi fechada pela manhã, ainda na casa do senador, ao longo de um encontro do qual participaram os líderes do PMDB, Renan Calheiros (PMDB-AL), do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), e do DEM, José Agripino Maia (RN). ¿Ele pegou ar e a responsabilidade de fazer o que se espera para que o Senado volte a dar bons exemplos¿, comentou Agripino, referindo-se às mudanças que a Mesa Diretora precisa empreender para tirar o Senado da berlinda, da mesma forma que Sarney saiu do cantinho do ringue ao discursar. Os senadores comentam que, se ele esperasse mais um dia, talvez os problemas crescessem.

Quando Sarney terminou seu discurso, o plenário mostrava-se dividido em dois grupos. Aqueles que se consideraram superadas as agruras do comandante Sarney ¿ ou seja, seus aliados e eleitores, e os que sentiram falta de um anúncio contundente. Um discurso que desse aos congressistas a certeza de mudanças, como a troca de todo o grupo de servidores que adquiriram os vícios de administrações anteriores. ¿Estamos aguardando a proposta mais forte¿, disse o senador Renato Casagrande (PSB-ES).

Há um temor de que, ao esperar, por exemplo, a volta do primeiro secretário do Senado, Heráclito Fortes, que está de licença por conta de uma cirurgia, o presidente Sarney termine levando mais uma semana para trocar administradores ou mesmo promover outras mudanças administrativas necessárias para colocar o Senado nos trilhos, longe do desgaste provocado pelos apadrinhamentos. Sarney, no entanto, não deixou a brecha para levar pancadas nos próximos dias. Ele fechou esse campo aos críticos mais vorazes quando afirmou que aceitará todas as sugestões que lhe forem encaminhadas pelos senadores, a fim de modernizar a administração do Senado e abrir a caixa-preta.

Ou seja, Sarney agora está nas mãos de Sarney. Ontem, agiu simbolicamente ao afastar do Senado uma sobrinha que estava lotada no gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Ela terá que voltar ao Ministério da Agricultura, órgão do qual foi cedida. Os senadores afirmam que, se ele promover as mudanças, como diz que fará, sai bem da crise. Caso contrário, segue o baile. (DR)