Título: Não falta dinheiro
Autor: Franco, Wellington Moreira
Fonte: O Globo, 30/03/2010, Opinião, p. 7

Todas as vezes que surge o tema saneamento, me ocorre a situação insólita em que vive o Brasil nessa área. Historicamente a reclamação era falta de recursos para investimento. E por aí se justificava o terrível quadro onde a maior parte das residências ainda hoje não tem esgoto tratado e milhões de brasileiros estão sem acesso regular à água potável. Desde que a família real aportou no Brasil e com ela vieram os primeiros projetos de saneamento para o país se discutem os caminhos para chegarmos à tão desejada universalização desses serviços.

A Caixa Econômica tem recursos à disposição para empresas desse setor, me surpreendo diariamente com a contradição de que hoje existe bastante dinheiro para o saneamento enquanto a situação do setor caminha a passos de tartaruga. Com frequência, as manchetes informam as carências que temos.

Também, não é mais segredo a relação direta que existe entre saúde da população e saneamento. E acrescento: está mais do que provado que investir em rede de esgoto significa economia de dinheiro público, pois cada real aplicado nesses serviços se traduz numa economia de cinco ou seis vezes em hospitais e previdência.

O governo federal lançou um grandioso projeto de construção de habitação para atender às camadas mais pobres da população, o Minha Casa, Minha Vida, mas que depende da ampliação das áreas saneadas no país para continuar produzindo moradias dignas.

O gargalo está no fato de termos empresas estaduais e municipais, responsáveis por 90% do abastecimento de água e quase 80% do tratamento de esgoto, incapacitadas para a tarefa. A maioria enfrenta problemas crônicos de gestão, não tem governança eficiente e, como estão muito endividadas, não podem investir ou tomar dinheiro emprestado. Some-se a esse cenário o fato de a iniciativa privada ainda não ter presença marcante no setor.

Há pouco menos de dois anos, o FGTS, tradicionalmente o principal financiador desse segmento, apresentou às empresas um programa de adesão, que ainda está em vigor. Seria traçado um plano de ação. Havendo necessidade, o FGTS pode até mesmo vir a participar acionariamente da companhia.

Infelizmente, poucas empresas se agarraram nessa boia.

Há algumas semanas, uma reportagem no GLOBO mostrou mais uma vez que há dinheiro disponível para o saneamento.

E é verdade. Mostrou ainda que a falta de áreas saneadas em abundância vai pressionar o crescimento do preço do terreno a ponto de inviabilizar programas habitacionais para quem tem renda de até 10 salários mínimos.

As empresas estaduais de saneamento precisam se estruturar, com urgência, para poder receber esses recursos e aumentar a oferta de terrenos com a infraestrutura exigida para empreendimentos imobiliários. Sem boa gestão continuarão patinando nas deficiências de sempre. E a população, é claro, será a eterna prejudicada.