Título: O PAC entre a realidade e a fantasia
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Fonte: O Globo, 31/03/2010, Opinião, p. 6
Num país com a infraestrutura repleta de deficiências, qualquerprograma de investimento público em transporte, energia, saneamento ehabitação merece, em princípio, aplausos.
Até porque estamodalidade de gasto tem caído em desuso, mesmo nestes tempos de PACs em 2009, a União investiu apenas 0,6% do PIB, muito aquém do mínimonecessário para dar sustentação ao crescimento da economia. Assim,melhor com o PAC do que sem ele. O problema está, como já se sabe háalgum tempo, no ritmo e na qualidade de execução dos investimentos.
Comoprevisto, a segunda versão do programa, lançada segunda-feira emBrasília, serviu para incensar a campanha eleitoral de Dilma Rousseff,mãe do PAC-1 e candidata a continuar no posto no 2, acumulando com aPresidência da República. Nada a estranhar, dada a especial preocupaçãodo presidente Lula em fazer o sucessor a qualquer custo, a ponto de tersido contido nos limites da lei pelo Poder Judiciário. Não se podecriticar este ou qualquer governo pela manifestação de cuidado com osinvestimentos.
Pelo contrário. As críticas devem ser dirigidasao que é anunciado, à obsessão marqueteira que transparece nas açõesgovernamentais, desvio agravado pela campanha eleitoral.
Nãopode escapar o fato de o PAC-2 ser anunciado entre fanfarras enquanto aprimeira versão do programa, depois de três anos de execução, nãochegou a concluir sequer a metade dos projetos, segundo o própriogoverno.
Foram investidos R$ 256 bilhões, apenas 40,3% do totalprevisto para o período de 2007 até o final deste ano. Seria o caso deter sido incluído no PAC-2 um projeto de aceleração do PAC-1.
Aoavançar para além de 2014, depois do mandato do próximo presidente, ecom a primeira versão bastante atrasada, o novo PAC é mais uma promessade campanha de Dilma Rousseff do que um compromisso de Estado.
E mesmo que a candidata oficial vença nas urnas deste ano, o PAC-2 terá de ser reconsiderado.
Afinal,não faz sentido, por exemplo, um plano de investimentos públicos quenão reserve recursos suficientes para aeroportos, quando há pela frentea Copa de 2014 e as Olimpíadas no Rio, dois anos depois. A não ser quehaja um plano oculto de privatização de terminais algo fora doesquadro ideológico do governo Lula-Dilma.
Como é fácil produzirplanos, difícil é executálos principalmente quando se trata de açõesdo Estado , as próprias cifras alardeadas nos PACs devem ser olhadascom reserva.
O número de R$ 1,590 trilhão de supostos investimentos a serem hipoteticamente realizados a partir de 2011 impressiona.
Mas,como na elaboração do Orçamento da União, sempre há doses elevadas defantasia na montagem dessas planilhas oficiais: misturam-se inversõesprivadas com investimentos públicos, tomam-se financiamentosimobiliários como se inversões em ativo fixo fossem, e, assim, joga-sefermento nas estatísticas.
A vida real, no entanto, éimplacável. Diante de uma realidade fiscal longe do tom ufanista dosque entendem que o Estado será o grande indutor dos investimentos, emalgum momento gestores dos PACs terão de pensar a sério em comomobilizar capitais privados, reativar as PPPs. Se não, o que seria paraacelerar o crescimento, estimulará o endividamento público, numa voltaao passado.