Título: Nos discursos, Dilma só fala em Lula, enquanto Serra evita FH
Autor: Benevides, Carolina; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 04/04/2010, O País, p. 4
Ex-ministra cita presidente 96 vezes; já tucano fala de aliado quatro vezes
Uma análise de 52 discursos públicos de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), no mês de março, esmiúça o repertório de prioridades e afinidades dos principais concorrentes ao Planalto e aponta o caminho que devem seguir na campanha que se inicia oficialmente em julho. Uma diferença, entre tantas, se destaca: o peso dado por Dilma a Lula e por Serra a FH. A ex-ministra falou 96 vezes a palavra ¿presidente¿, se referindo a Lula. O nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aparece apenas quatro vezes no discurso de Serra. O tema prioritário do tucano foi o estado que governou: ele citou 263 vezes a palavra São Paulo, 46 delas no discurso de despedida, na última quarta-feira.
A avaliação foi feita em cima de 32 discursos de Serra, 13 de Dilma e sete de Marina (recolhidos de seu site e do YouTube).
No caso da pré-candidata do PV, o levantamento indica que o PAC é um de seus assuntos-alvo.
Todas as citações dão caráter negativo ao programa.
Na despedida do ministério, 34 vezes Lula A opção explícita de Dilma de se colar a Lula de forma ainda mais radical no mês em que sairia do ministério da Casa Civil ¿ no discurso de despedida foram 34 citações ¿ divide especialistas.
¿ Falando sempre no presidente, Dilma aproveitou bem seu último mês no governo.
Ela sabia que, a partir de abril, estaria por conta própria ¿ avalia o cientista político David Fleischer, da UnB.
¿ Quanto mais eu ouço e vejo ela se expor, mais evidente fica a dependência dela do governo Lula. O grande desafio do marqueteiro da Dilma agora vai ser ir para além do Lula ¿ diz a historiadora Marly Silva da Motta, da Fundação Getulio Vargas.
O cientista político Marcelo Simas, da FGV Opinião, afirma que o nome Lula fortalece Dilma, mais até do que o governo: ¿ Lula colocou o PAC nas mãos da Dilma como se desse para ela uma vacina contra sua fragilidade administrativa.
Ela cola nele porque Lula tem popularidade altíssima, mais até do que o governo federal.
A ausência do nome de Fernando Henrique nos discursos de Serra expressa, segundo especialistas, o perfil autônomo do ex-governador. A estratégia é coerente para uns e arriscada para outros.
¿ Ele tem vida própria.
Nunca esteve colado no Fernando Henrique ¿ diz Marly Silva da Motta.
¿ O Serra devia falar no Fernando Henrique o tempo todo.
Serra e o PSDB têm medo de deixar claro que são ligados a FH. É como se isso fosse ruim ¿ diz Marcelo Simas.
A opção de Serra por referências constantes a São Paulo em seus discursos de março mostra, na avaliação do consultor de marketing político Matheus Zica, uma falha: ¿ Já que aproveitou para percorrer várias regiões do estado (de São Paulo), era a hora de ele encaixar temas ligados à área social, assunto que está em alta no Brasil. Serra podia ter usado o tempo que restava no governo para se fazer mais conhecido no país. Ele é uma pessoa técnica, não tem uma linguagem muito popularesca.
Podia ter começado a testar sua capacidade de discursar para todos os brasileiros e não só para os paulistas.
Já para o cientista David Fleischer, a opção de Serra é coerente: ¿ Mesmo tendo pesquisa eleitoral mostrando que ele perdeu pontos para Dilma, Serra continuou focado em São Paulo. Só o tempo vai dizer se ele tinha ou não razão.
Se vencer, estará perdoado.
Segundo Fleischer, o ex-governador paulista esperou o dia de entregar o cargo para finalmente discursar como précandidato: ¿ Ele deixou o governo batendo na corrupção e já deu dicas do que virá na campanha.
A amostragem dos discursos de Marina indica que ela se concentra em falar sobre o que discorda, segundo os especialistas.
As críticas ao PAC, no entanto, precisariam levar em conta o fato de que ela estava no governo em 2009, quando o programa foi lançado.
¿ Nos últimos dias, Marina tem dito que o PAC é eleitoreiro, mas o mais importante não é bater no PAC, é ela dizer o que fará de diferente se for eleita ¿ diz Fleischer.
Psicanalista, Luiz Alberto Py faz um alerta. Ainda que sirvam para indicar intenções e perfis dos candidatos, os discursos são também estratégias.
¿ As pessoas não se deixam perceber totalmente porque sempre têm muito a esconder ¿ lembra.