Título: Denominadores comuns
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Fonte: O Globo, 04/04/2010, Opinião, p. 6

A economia brasileira reúne hoje condições para um ciclo virtuoso nos próximos anos. Não existe garantia absoluta quanto a essa trajetória, pois basta que o país caia novamente na tentação do populismo, com decisões equivocadas e demagógicas, e voltaremos a uma situação de risco.

Vários fatores contribuem positivamente para esse possível ciclo virtuoso, sustentado.

A redução nas taxas de expansão demográfica criou o que os especialistas chamam de bônus, pois nos vinte anos que advirão a base da pirâmide populacional se estreitará, atenuando pressões sociais, além de permitir que o Brasil invista na melhoria de qualidade da educação, dos serviços de saúde, da preparação para o mercado de trabalho, etc.

Na economia propriamente dita, os fundamentos são promissores.

O Brasil faz parte do seleto grupo de nações com grau de investimento na classificação das agências internacionais de avaliação de risco, já com perspectiva positiva em algumas delas. Desde 1999 as exportações brasileiras praticamente triplicaram, o que facilitou a acumulação, pelo Banco Central, de reservas suficientes para amortização de dívidas onerosas em moeda estrangeira.

O endividamento externo perdeu importância relativa, até porque os empréstimos deixaram de ser a principal fonte de financiamento no exterior, sendo substituídos por operações mais ágeis no mercado de capitais e por investimentos diretos. Simultaneamente, empresas brasileiras vêm incrementando investimentos lá fora, o que, a médio prazo, resultará em mais equilíbrio nas remessas e recebimentos de lucros e dividendos em outras moedas.

Esse quadro não seria o mesmo se o Plano Real tivesse fracassado. A inflação aguda encurtava os horizontes de negócios e ocultava ineficiências, especialmente no setor público.

A estabilidade monetária trouxe à tona a dura realidade das finanças governamentais. Foram necessários muitos anos para a recomposição dessas finanças, não só com medidas saneadoras pontuais, mas, principalmente, com um arcabouço institucional que estabeleceu limites para endividamento e gastos com pessoal (Lei de Responsabilidade Fiscal).

O ajuste nas finanças públicas foi acompanhado por um processo de privatização, cujo balanço, passados mais de dez anos, é positivo.

Além de desobrigar os cofres públicos de responsabilidades não cumpridas por falta de capacidade de investimento, a privatização fomentou um ambiente de competição em segmentos antes dominados por ultrapassados monopólios estatais. Novos grupos de investidores se formaram, favorecendo o desenvolvimento do mercado de capitais.

Embora eleitos por partidos diferentes, com posições políticas distintas, há muitos denominadores em comum nas diretrizes econômicas dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que foram essenciais para o Brasil, nesses dezesseis anos, sair da beira do abismo para um ciclo de crescimento sustentável. O regime de metas de inflação forçou os governantes a terem compromissos com a estabilidade monetária. O câmbio flutuante dificultou a adoção de artificialismos em um campo tão sensível da política econômica. E a manutenção de superávits primários reduziu déficits nominais e a relação dívida pública/Produto Interno Bruto, liberando poupanças privadas para investimentos.

Esse legado ficará para o próximo governo, que não poderá desprezá-lo. E o círculo virtuoso dependerá de decisões suas em áreas-chave como política fiscal.