Título: Incerteza certa
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 06/04/2010, Opinião, p. 7
Ocorreu de tudo na semana passada. O presidente do Banco Central do Brasil provavelmente iria sair, resolveu ficar. O candidato principal ao cargo iria assumir, acabou que não. Houve rumores que outros candidatos iriam ser indicados pelo presidente da República, mas ficou nisso. A ata da última reunião do Copom explicou tudo coerentemente, menos por que os diretores mantiveram a taxa de juros parada. O Relatório de Inflação de março apressou-se a fornecer essa explicação, mas não sob o comando do diretor responsável, que deixou a função antes da divulgação, após quatro anos no cargo. Enquanto isso, a expectativa de inflação atingiu 5,2% para este ano, acima do centro da meta de 4,5%, e continua subindo. Há motivo de preocupação?
Tudo indica que não. O problema de inflação atual do Brasil resulta do excesso, não da falta de crescimento (como será o caso dos países avançados). Excesso de demanda tem gerado um crescimento acima do sustentável (no último trimestre, o PIB cresceu acima de 8%) e uma inflação incipiente. A permanência do atual presidente do Banco Central é uma garantia de que a subida recente da inflação será combatida. Os novos diretores deverão auxiliá-lo nessa tarefa, com a mesma competência reconhecida dos que saíram. Ao longo do tempo essa política, se mantida como no passado, fará a inflação recuar para o centro da meta, e o Brasil crescer sustentadamente por mais tempo.
Mas o sistema de governança atual gera incerteza. Quando termina o mandato do presidente da República, há sempre dúvidas sobre as políticas futuras. E é nesse momento que ocorrem as substituições no Banco Central. E com elas surgem dúvidas adicionais desnecessárias como: será que o novo Banco Central terá o mesmo compromisso no combate à inflação?
Uma solução simples é encontrada no resto do mundo. Separa-se o término do mandato presidencial das substituições no BC, que ocorrem intercaladas ao longo do tempo. Com isso, diminuem-se as incertezas e, ao longo do tempo, fica claro que não haverá rupturas em políticas responsáveis básicas no Brasil. O país amadurece e evita-se a tentação de soluções curto-prazistas. A sociedade pode continuar a se concentrar em melhorar, investir e aumentar a produtividade, ao invés de recorrentemente voltar a pensar na inflação.
A sociedade, através do presidente da República eleito, continua com a prerrogativa de escolher a diretoria do Banco Central e seus diretores ao longo do tempo, à medida que vençam os mandatos individuais. No futuro, a manutenção dessa política básica (combate à inflação) dependerá mais da própria instituição (BC) e menos (sem prescindir) dos indivíduos escolhidos para as funções. Quanto mais a sociedade dependa das instituições, e quanto mais sólidas sejam, maior a chance de os indivíduos fazerem a diferença em outros aspectos da economia, como em empreendedorismo e inovação, fundamentais ao crescimento. Artigos na literatura acadêmica têm ressaltado a importância do desenvolvimento das instituições sobre o crescimento.
Mas por que uma solução tão simples não tem tido eco no Brasil até hoje? Por diversos receios. Entre eles os que advêm do próprio nome da reforma: "autonomia operacional" do BC. Nesse regime, ao contrário da "independência", o executivo define as metas futuras do BC. Mesmo assim, há receio de outorgar a "autonomia" por razões técnicas (como fazer quando é necessário mudar a pessoa no meio do mandato por razões justas, como problema ético ou até incompetência comprovada?) ou ideológicas (autonomia para aqueles que não foram eleitos?). Um desenho adequado da reforma pode permitir separar o joio do trigo (razões políticas de curto prazo versus ética/incompetência) e apaziguar a questão ideológica (afinal, os membros do BC seriam escolhidos pelos eleitos para buscar as metas pré-definidas).
Não é fácil argumentar sobre a necessidade de mais uma reforma por mais simples que seja (outorgar mandatos fixos e escalonados para os dirigentes do Banco Central), quando há muitas a fazer e a política monetária tem funcionado "de facto" (sem todas as prerrogativas por lei complementar) a contento, quase o tempo todo. O problema é o quase: pode haver falhas nos momentos críticos, quando é essencial manter sob controle as expectativas de inflação para facilitar a transição e dirimir dúvidas quanto ao futuro.
ILAN GOLDFAJN é economista-chefe do Itaú Unibanco.