Título: Brasileiros descobrem variante do vírus H1N1
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2009, Mundo, p. 19

Cientistas do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, realizam o sequenciamento genético do microorganismo. Cepa não é mais letal.

Fotografia ampliada em 200 mil vezes do A/São Paulo/1454/H1N1 O projeto envolveu entre 15 e 20 cientistas brasileiros. Foram usados microscópios eletrônicos de última geração, capazes de ampliar a imagem de um microorganismo em até 1 milhão de vezes. Os especialistas se debruçaram então sobre o vírus H1N1 retirado da secreção respiratória de um paciente de 26 anos que apresentou os sintomas da gripe suína ao retornar de uma viagem ao México. Em 24 de abril, o rapaz foi internado com a doença no Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Dos laboratórios do Instituto Adolfo Lutz, entidade subordinada à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, os especialistas anunciaram ontem que detectaram naquela amostra uma variante diferente do H1N1, dotada de leve mutação. O ¿novo vírus¿ recebeu então o nome de A/São Paulo/1454/H1N1. Pela primeira vez, o Brasil conseguiu isolar e realizar o completo sequenciamento genético do vírus que já infectou 35.928 pessoas ¿ inclusive 79 brasileiros ¿ em 76 países e matou 163 .

Em entrevista ao Correio, por telefone, Clélia Aranda, coordenadora de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde de São Paulo e responsável pela pesquisa, afirmou que o processo de isolamento já era de domínio do Instituto Adolfo Lutz, membro de uma rede laboratorial mundial de detecção de vírus influenza. ¿Nós ainda não tínhamos uma caracterização do vírus pandêmico H1N1 no Brasil, mas apenas um perfil parcial da matriz identificada na Fiocruz. Agora, podemos determinar qual é o tipo de vírus que existia em um brasileiro, participar do mapeamento genético no mundo e comparar nossa variante do H1N1 com aquelas caracterizadas em outros países¿, explicou. ¿Ao contrapormos nossa amostra à do vírus H1N1 inicial, chamado de `Califórnia¿, percebemos um pouco de mutação.¿

De acordo com Clélia, as mutações já eram esperadas, dado o próprio comportamento do H1N1. ¿Essa primeira identificação não apontou uma maior virulência. Trata-se de uma mutação pequena¿, garantiu a cientista. Ao ser transmitido entre pessoas, o influenza se desenvolve nas células, a fim de se multiplicar, e produz ¿cópias¿ nem sempre totalmente idênticas. O Instituto Adolfo Lutz tem buscado isolar as cepas após a confirmação de casos positivos da doença. Diante do surgimento do A/São Paulo/1454/H1N1, Clélia não vê motivos para pânico. ¿As medidas que adotamos até agora serão mantidas. Não há necessidade de modificação. O que temos é um avanço, pois poderemos comparar outros possíveis vírus isolados no território brasileiro.¿

Método O estudo atual contemplou a identificação das bases do H1N1 e o sequenciamento dos genes do microorganismo, por meio de equipamentos. O primeiro passo foi submeter a amostra de secreção respiratória à reação da polimerase em cadeia em tempo real (PCR). A técnica consiste em produzir várias cópias de um determinado fragmento gênico. Por meio dela, o biólogo molecular Claudio Macchi e sua equipe constataram que se tratava de um novo subtipo viral. O isolamento foi realizado em abril pela virologista Terezinha Maria de Paiva. ¿O que fizemos foi cultivar o H1N1 nas células, até que ele crescesse, se desenvolvesse e se reproduzisse. Depois, fizemos o sequenciamento genético¿, afirmou Clélia. No Departamento de Microscopia Eletrônica do Adolfo Lutz, os cientistas Marli Ueda e Jonas Kisielius identificaram várias partículas do vírus a partir da cultura infectada. Eles usaram um microscópio de US$ 650 mil, capaz de mostrar até estruturas internas do vírus.

Durante o processo de sequenciamento genético da nova cepa, os especialistas se concentraram nas sequências nucleotídicas completas de dois segmentos de genes: o 4 (codificador da proteína Hemaglutina e responsável pela virulência) e o 7 (codificador das proteínas da matriz). A análise molecular revelou que o segmento 4 ¿ para o qual são produzidos anticorpos protetores ¿ apresentou um número discreto de alterações nucleotídicas e de amino-ácidos, com taxas de similaridade em torno de 99,7% e 99,5%, respectivamente, em relação ao H1N1 ¿Califórnia¿. ¿Essa caracterização é uma linha de base para compararmos com os próximos isolamentos. Aí teremos condições de responder se existem diferentes estirpes do H1N1 no Brasil¿, comentou Clélia. ¿Tudo nos leva a crer que o desenvolvimento da vacina anunciada pela Novartis vá proteger contra a caracterização feita por nós¿, concluiu