Título: A falácia da urbanização de favelas
Autor:
Fonte: O Globo, 10/04/2010, Opinião, p. 6
Esta última enxurrada sobre a região metropolitana do Rio força uma reviravolta na lista de prioridades de qualquer administrador público de boa-fé, que não se deixe levar por ideias preconcebidas, inspiradas em razões políticopartidárias e ideológicas. Se alguém, sem segundas intenções, se opunha às remoções, a esta altura já reviu a posição.
Outro conceito antigo e bastante sedimentado, em particular entre políticos e governantes, o da urbanização, também tem de ser reconsiderado. Ora, o Morro do Bumba, em Niterói, cuja favela foi assentada sobre um lixão desativado crime de responsabilidade a ser tratado na Justiça , havia sido urbanizado.
Inclusive, pelo atual prefeito, Jorge Roberto Silveira (PDT), em gestão anterior. A única rua asfaltada da favela foi obra de Jorge Roberto.
O jornal Extra, na edição de ontem, estampou na primeira página foto de uma placa de obras da prefeitura no morro, em julho de 1996. Dessa vez, o prefeito era João Sampaio, do mesmo PDT de Silveira, e bastante ligado a este.
Pois a urbanização não impediu que tudo viesse abaixo, numa catástrofe de grandes proporções, a ponto de ser o segundo assunto em importância na seção internacional da edição impressa de ontem do New York Times.
Fica entendido, portanto, que essas obras nada garantem a não ser votos para os patronos locais. Sequer o reflorestamento de encostas garante segurança total. Há imagens do Morro do Bumba, de antes da tragédia, em que a favela parece até bucólica, devido à vegetação.
Mesmo florestas naturais são arriscadas, em especial nos morros da região do Rio de Janeiro.
A avalanche que soterrou várias pessoas em casas próximas a uma pousada na Ilha Grande, na virada do ano, desceu junto com árvores nativas.
O questionamento da reurbanização como alternativa para as favelas é antigo. Sabe-se há tempos que o bem-intencionado Favela-Bairro lançado em 1994 pelo então prefeito Cesar Maia, com o objetivo de acabar com a cidade partida não funcionou como esperado. Embora recebam elogios de especialistas que residem na plana Washington, as favelas atendidas pelo programa não pararam de crescer. As próprias melhorias atraíram mais moradores, sem que o poder público se dispusesse a barrar o avanço da favelização. Esses projetos de urbanização repita-se não conseguem reduzir o risco para os moradores, ludibriados com asfaltamento de vias, calçadas, iluminação pública, orelhões. Além do Morro do Bumba, o dos Prazeres, em Santa Teresa, no Rio, também havia sido urbanizado este, pelo FavelaBairro. A situação dessa favela carioca é tal, em termos de risco, que o prefeito Eduardo Paes se compromete a removê-la por inteiro, assim como a localidade do Laboriaux, no alto da Rocinha.
O prefeito não pode recuar nas promessas que tem feito de remoções e contenção da favelização.
Deve, também, atacar a indústria da urbanização, bastante ativa, na qual operam políticos clientelistas interessados em trocar orelhão, calçamento, o que seja, por votos. Na verdade, nunca foi suprimida a política da bica dágua do governador e cacique populista Chagas Freitas. Ela, inclusive, foi ampliada por meio desses projetos de urbanização.
Os beneficiário pagam em troca com votos e suas vidas, a cada temporal.
Projetos reeditam a política da bica dágua da época do chaguismo