Título: Outra bomba-relógio
Autor: Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 10/04/2010, Rio, p. 16
Casas do Morro do Céu, em Niterói, já têm rachaduras, mas só ontem lixão foi interditado
Bem perto do Morro do Bumba, em Niterói, cerca de 150 famílias aguardam uma solução das autoridades para deixar o local. Vizinhas do aterro sanitário do Morro do Céu, que fica no fim da Rua Viçoso Jardim, elas temem uma tragédia semelhante à do Bumba. Desde segunda-feira, casas começaram a rachar. Do assoalho, passou a brotar água misturada ao chorume (líquido originado da decomposição de resíduos orgânicos).
Ontem à tarde, os moradores organizaram uma manifestação para tentar sensibilizar autoridades municipais e estaduais. Com cartazes, eles cobraram do prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, uma solução.
Nossas casas estão rachando.
Se o terreno ceder mais um pouco, vai cair todo o aterro, matando mais gente que no Morro do Bumba afirmou o técnico em enfermagem Luciano Cruz Silva, de 36 anos.
Lixão chegou depois dos moradores
Quatro ruas estão no entorno do aterro. Mas, ao contrário do Morro do Bumba, que fica a dois quilômetros do local, o lixão chegou depois.
Quando eles desativaram o lixão do Morro do Bumba, passaram a trazer o lixo de Niterói para cá. A gente já estava aqui, o depósito é que chegou depois protestou Luciano.
Segundo ele, a prefeitura chegou a assinar, há três anos, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para remover os moradores. Mas a promessa ficou apenas no papel. Luciano lembra que 89 famílias chegaram a ser cadastradas para receber indenização: Diariamente, são depositadas aqui cerca de 750 toneladas de lixo.
No início, vinha até lixo hospitalar e químico. Será que a prefeitura espera que a gente vire estatística? Ontem, depois do protesto, a prefeitura de Niterói informou que o aterro controlado do Morro do Céu foi provisoriamente interditado, devido a deslizamentos e quedas de árvores em seus acessos. Ainda segundo a prefeitura, a Defesa Civil municipal e órgãos especializados realizaram vistorias nos imóveis.
Além disso, foi providenciada a aquisição de 11 casas da Rua A.
No fim da noite de ontem, o secretário estadual de Saúde e Defesa Civil, Sérgio Côrtes, esteve no local e determinou a interdição de pelo menos cinco casas que estavam em situação de risco. As famílias devem ser levadas para um Ciep da região.
Antes disso, a dona de casa Vera Lúcia da Silva Corrêa, de 55 anos, resolveu não pagar para ver. Ela saiu de casa na última quarta-feira, deixando para trás móveis, eletrodomésticos e toda uma história de vida. Conseguiu abrigo na casa de uma vizinha. Seu pai, de 80 anos, e os quatro filhos, no entanto, permanecem na casa, que está rachada e afundando: Ninguém esteve aqui da prefeitura ou da Defesa Civil. Estou saindo por conta própria. Agora vou lutar para tirar meus filhos e meu pai.
O lugar onde fica hoje o Morro do Céu era o endereço da Fazenda Lídia, que funcionou no local há cerca de 30 anos. Todo o terreno era coberto por mata e havia inúmeras árvores frutíferas. Com a chegada do lixão, a rotina mudou. Saíram os animais silvestres e chegaram urubus e ratos. Durante o dia, os moradores costumam ter o sossego interrompido por fogos de artifício, que são usados pelos catadores de lixo para espantar os urubus.
Isso aqui ficava no mesmo nível da rua. Agora, virou um morro de lixo com mais de 150 metros de altura contou Luciano, apontando para a montanha formada pelo aterro.
Pelo menos duas casas já foram parcialmente destruídas por deslizamentos no Morro do Céu. Lixo e terra arrastaram a sala e a varanda da casa de Simone Belga Fernandes, de 25 anos. Ela conta que estava dormindo com os três filhos e o marido, na noite de segunda-feira, quando parte do morro deslizou sobre a construção.
Apenas metade da casa ficou em pé.
Estávamos dormindo no quarto quando o morro desceu. Foi Deus quem nos salvou. Metade da casa foi levada pelo lixo disse Simone.
Os moradores do local contam que não dormem desde segunda-feira, quando o terreno começou a ceder.
Há muito cheiro de gás metano. Na rua, o asfalto, que já era precário, também começou a apresentar rachaduras.
Há um cheiro forte de chorume.
É preciso que o município tome uma decisão: ou acaba com o lixão, ou indeniza as famílias diz Luciano.
O descaso do poder público com os moradores do Morro do Céu é tão grande que a Companhia de Limpeza de Niterói (Clin) apresentou aos moradores, há cerca de dois anos, um plano de ocupação do lixão.
De acordo com a maquete mostrada às famílias, a prefeitura pretendia construir no local uma quadra de esportes, piscina, campo de futebol, área de lazer e um grande viveiro. As mudas seriam usadas para reflorestar a região.