Título: Lei do pré-sal é um retrocesso histórico
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 10/04/2010, Economia, p. 33

Deputado federal critica governo e Ibsen Pinheiro, afirmando que "nem um Robin Hood de hospício faria melhor"

ENTREVISTA L. Paulo Vellozo Lucas

A aprovação do marco regulatório do pré-sal é um erro crasso da política industrial do governo Luiz Inácio Lula da Silva, comparável à lei de reserva de mercado da informática, de 1984, que atrasou o Brasil por 15 anos. A avaliação é do deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), adversário contumaz da proposta do governo, por considerá-la um retrocesso histórico.

Lucas criticou as propostas de mudanças da chamada emenda Ibsen Pinheiro, que redivide os royalties do petróleo, inclusive nas áreas já em exploração. Nem um "Robin Hood de hospício faria melhor, afirma o deputado, que preside o Instituto Teotônio Vilela, órgão de discussões políticas do PSDB.

Liana Melo

O GLOBO: Qual a sua avaliação da proposta do marco regulatório do pré-sal defendida pelo governo Lula? LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS: É o maior erro estratégico de política industrial do Brasil desde a lei de reserva de mercado de informática, de 1984. Levamos 15 anos para consertar os erros cometidos por esta política.

Isto quer dizer que o país estaria correndo o risco de um novo retrocesso com a aprovação do marco regulatório do pré-sal? VELLOZO LUCAS: Em 1997, o país promoveu uma revisão na sua estratégia nacional para o setor de petróleo. Com a aprovação da lei 9.478, a Petrobras até foi mantida sob controle estatal, mas o monopólio do setor passou a ser gerido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A estatal passou a operar num mercado competitivo, concorrencial. O resultado global desta nova estratégia brasileira para o setor de petróleo é espetacular. O marco regulatório é invejado no mundo inteiro. É um exemplo absoluto de sucesso.

Quais foram de fato os avanços promovidos pela Lei do Petróleo? VELLOZO LUCAS: O setor de petróleo representava 2% do Produto Interno Bruto antes de 1997; hoje, este percentual subiu para 12% do PIB. O setor passou a representar mais de 45% da formação bruta de capital fixo (investimento) no Brasil. É de longe, portanto, o setor mais dinâmico da economia brasileira. Isto sem falar na capacidade de investimento do setor, que, em 1994, era de R$ 4 bilhões por ano e, hoje, gira em torno de R$ 35 bilhões, sendo R$ 30 bilhões só da Petrobras. Apenas R$ 5 bilhões vêm do setor privado.

A Petrobras foi, então, beneficiada pelas mudanças promovidas no setor em 1997? VELLOZO LUCAS: Claro que sim. As receitas governamentais, bônus de assinatura, royalties e participação especial, que antes eram de R$ 200 milhões, pularam para R$ 25 bilhões. A produção de petróleo dobrou. As reservas quintuplicaram. O valor de bolsa da Petrobras hoje é 11 vezes maior do que era em 1997. A conclusão a que se chega é que a Petrobras tornouse uma das maiores beneficiárias do novo modelo.

Paralelamente, o Brasil, via ANP, atraiu as companhias operadoras de petróleo internacionais.

Hoje, já existem 70 empresas operando no Brasil.

Mas o Sr. concorda que a descoberta do pré-sal provoca uma grande mudança no setor e, por isso, a legislação também precisa mudar? VELLOZO LUCAS: Concordo que caberia discutirmos uma revisão da destinação das receitas do petróleo. Acho também que a criação do Fundo Soberano não é uma má ideia.

Assim como a proibição do uso da receita do petróleo com gastos de custeio. Com a descoberta do pré-sal, precisamos repensar o modelo, aumentar a participação do governo.

Mas, sinceramente, não existe nenhum método mais eficiente para isso do que aumentando a cota das participações especiais. Até o próprio diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, concorda com isso, o que mostra um divisão interna no governo.

Qual foi então o principal erro do governo? VELLOZO LUCAS: O governo Lula atuou como um rei Midas às avessas. No lugar de aumentar a alíquota das participações especiais e incrementar as receitas governamentais, paralisou o processo de licitações de novas áreas depois da descoberta do pré-sal.

O governo mudou todo o marco regulatório do setor, mesmo com o preço do petróleo nas alturas e a demanda super aquecida. E o pior é que o último projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados autoriza a capitalização da Petrobras usando cinco bilhões de barris de reservas de petróleo, sem que a empresa pague bônus de assinatura e participação especial. Se é verdade que o setor de petróleo é atrativo para investimento, não é necessário usar dinheiro público para capitalizar a Petrobras.

Os governadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo acreditar que os estados foram lesados com a emenda Ibsen Pinheiro. É possível derrubála no Senado? VELLOZO LUCAS: Não posso responder pelos senadores, mas estou na torcida. A chamada emenda Ibsen expropria as receitas de petróleo dos estados e municípios produtores, distribuindo a riqueza a todos os sem petróleo. Nem um Robin Hood de hospício faria melhor.

Da noite para o dia, tiraram R$ 7 bilhões do Rio e R$ 500 milhões do meu estado (ES). Trata-se de um bode colocado numa discussão já completamente desorganizada.

O governador do Rio, Sérgio Cabral, aposta que o presidente Lula não vai permitir que a emenda seja aprovada.

VELLOZO LUCAS: O governador do Rio acredita no presidente Lula, eu prefiro acreditar na Constituição. A emenda Ibsen Pinheiro é inconstitucional.

Não tem nenhum cabimento mexer em campos já licitados ou já em operação.

É inconstitucional.