Título: Político, sem temor
Autor: Viana, Jorge
Fonte: O Globo, 28/03/2010, Opinião, p. 7

Não desejo expor aos leitores uma questão política paroquial, destasque, seja no Acre ou no Rio de Janeiro, acontecem mais para apequenarque para aperfeiçoar a democracia brasileira.

Mas preciso citarum imbróglio políticojudicial no qual me vi envolvido, pela clareza comque ilustra a absurda criminalização da atividade política nestemomento em que o Brasil vai se afirmando como uma referência dedemocracia em países até há pouco classificados como Terceiro Mundo.

Fuientrevistado em um programa de TV muito assistido em Rio Branco, Acre.Entre coisas, respondi sobre política e eleições. Afirmei que estou medesligando das atividades empresariais que exerço para permitir ao PTincluir meu nome no debate das pré-candidaturas ao Senado pelo Acre.Foi o suficiente para um membro do Ministério Público Federal medenunciar por campanha eleitoral extemporânea.

O mais estranhoé que gente de todos os partidos adversários do PT já havia passado nomesmo programa, inclusive anunciado candidaturas decididas.

Masfoi somente para mim que sobrou a tentativa de incriminação.Felizmente, a justiça se fez rápido pelo juiz federal que me inocentoudo suposto crime político.

Vivi experiência mais dura em 2002.

UmTRE impregnado de interesses me cassou a candidatura à reeleição aogoverno do Acre. Sempre confiei na Justiça, o TSE me garantiu o direitoe o povo me reelegeu no primeiro turno.

O ponto aonde querochegar com a citação desse caso é que, não bastante a judicializaçãoda política, que sob o beneplácito do Congresso Nacional, que não fez areforma política, transfere prerrogativas do Parlamento para ostribunais, agrava-se perigosamente a criminalização da política.

Preocupaque o equívoco antes restrito ao discurso fácil e falso moralista deque o exercício da política seria reservado a picaretas e bandidoscomece a repercutir em representações judiciais de Estado, que sãovésperas de sentenças. Isto é a criminalização da política sob novaforma, já que sua essência é antiga. Esse mesmo falso moralismopavimentou a ascensão do nazismo de Hitler e também a insustentávelconsagração eleitoral de Collor no Brasil de 1989. Isso só para ficarem dois dos exemplos clássicos, um estrangeiro, outro daqui.

Claroque a corrupção explícita tanto no governo Collor quanto no antecessorque lhe serviu o discurso merece o rigor da lei, da Justiça e dapolícia. Isso também vale para as recentes revelações de ligação degrupos políticos com fortunas camufladas em paraísos fiscais, mensalõese sujeiras do tipo. No entanto, nada legitima a condenação antecipadade quem decide exercer a política, senão o despreparo e odescompromisso com a democracia.

As instituições constituídaspara zelar pela democracia, o que inclui ministérios públicos etribunais eleitorais, devem incentivar a participaçãopolíticopartidária, porque sem isso não há democracia, cidadania nemliberdade a zelar. Por isso é inaceitável a profusão de denúncias demotivação eleitoral contra o próprio presidente da República, queressoa como uma intimidação geral à participação política dosbrasileiros.

Lula tem estatura e grandeza para acreditar na Justiça e saber buscá-la.

Eleenfrentou até a odiosa Lei de Segurança Nacional da ditadura militar, eserá melhor para o país se o seu exemplo for bastante para neutralizarna consciência dos cidadãos o ranço intimidatório da criminalização dapolítica.

Também positivo é que o povo, sempre mais sábio,justamente agora sinaliza com sentimento inverso ao preconceitopolítico. Os fatos mostram que o brasileiro está cada vez maisinteressado em participar dos processos políticos e eleitorais.Indicativo interessante é o crescimento da candidatura presidencial deDilma Rousseff nos meses de janeiro e fevereiro, contrariando até aregra clássica de que nada acontece na política brasileira antes docarnaval.

Política é um direito do cidadão que, no sentido mais solidário da cidadania, se transforma mesmo em um dever.

Nãoexiste sociedade sem regras, não existe justiça se as regras não foremdemocráticas e não existe democracia sem o exercício da política. Poracreditar nisso não tenho medo de ser político. E se tenho umapretensão, é contribuir para mostrar à sociedade que nem todo políticocalça quarenta.