Título: Cultura verde contra o plástico
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 28/03/2010, Economia, p. 29

Produção de juta na Amazônia eleva renda de ribeirinhos com as sacolas ecológicas

Aplantação de juta, cultura que é a principal fonte de renda de 15 mil famílias na Região Amazônica, está em alta, com a ampliação da consciência ecológica dos consumidores. As sacolas feitas a partir da fibra da planta também conhecidas como ecobags estão sendo analisadas por grandes redes do varejo nacional, como Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar, como possível substituto às poluentes sacolas de plástico. Mesmo no exterior aumenta o interesse pelo produto, o que tem elevado o preço mundial da fibra e seus derivados. Embora o Brasil venha tendo dificuldades para aproveitar integralmente este momento, com uma produção muito aquém de seu potencial, os ribeirinhos depositam suas esperanças nessa cultura.

Mais que negócios, isso se reflete na qualidade de vida das famílias que vivem às margens dos rios da Amazônia, que plantam a juta nas terras que só ficam acima do nível das águas por seis meses, exatamente o ciclo da planta. Para a maior parte das famílias, a juta é a única ou a principal fonte de renda, que também cultiva abóbora e mandioca, além de ter criação de peixes, visando à subsistência.

O preço melhorou bastante, estão pagando para a gente R$ 1,50 por quilo de fibra, faz uns três anos que o preço está subindo. Ainda não está o ideal, que é R$ 2 por quilo, mas estamos chegando lá comemora Francisco de Assis Lamego Baixote, senhor de 73 anos que vive há seis décadas da juta.

Ele tem toda a história da juta de cabeça. Viveu seus tempos áureos, na década de 1980, e sobreviveu à década passada, quando o quilo do produto chegou a valer R$ 0,35. Atualmente, são dez mil famílias do Alto Solimões, no Amazonas, e outras cinco mil no Pará que vivem do produto.

Em média, cada pequeno produtor colhe de suas várzeas entre quatro e nove toneladas de juta, o que dá um rendimento líquido anual entre R$ 6.800 a R$ 15.300 excluindo os custos de produção e de mão de obra de auxiliares.

Nessa conta, entra agora um subsídio pago pelo governo do Amazonas, de R$ 0,20 por quilo de fibra, para manter o homem na cultura.

No passado, a produção da juta já garantiu o sustento de 60 mil famílias. Hoje, falta de tecnologia e de financiamento impedem a ampliação da produção. Neste ano, deverão ser colhidas 12 mil toneladas de fibra de juta e malva variedade brasileira da planta , 50% a mais que em 2009, ano marcado pelas fortes enchentes acima do padrão na Região Norte. Entretanto, com o crescimento do consumo, o país terá de importar até 10 mil toneladas de juta de Bangladesh. No auge da cultura no Brasil, em 1981, foram produzidas 95 mil toneladas de fibra, das quais 20 mil foram destinadas ao mercado exterior, segundo o Instituto de Fibras da Amazônia (Ifibram).

Realmente, estamos muito aquém de nosso potencial justamente agora, em um momento em que o preço mundial da fibra de juta está em alta e que poderíamos ganhar mercado até mesmo exportando afirma Arlindo Leão, secretárioexecutivo do Ifibram, lembrando que Índia e Bangladesh estão tendo dificuldades para atender ao mercado mundial, muito aquecido, tanto por clientes europeus, atrás de produtos com apelo ecológico, como pelos chineses.

Leão lembra que, na época áurea, mais de 30 empresas produziam fios, telas e sacolas a partir da juta. O declínio da produção foi causado pelo avanço do polipropileno, plástico que substituiu a fibra vegetal em quase tudo. O fundo do poço ocorreu em 1996, quando a produção foi de apenas 6.400 toneladas de fibra. Naquela época, quase toda a produção era destinada ao mercado exportador de café de boa qualidade, que exige a embalagem de juta por melhor preservar as características dos grãos.

Banco não entende o ciclo da juta

O que impede o crescimento de produção é que a maior parte dos produtores da região tem dificuldades em obter financiamento nos bancos públicos e recursos técnicos, como tratores: Os bancos não entendem que o ciclo da juta é diferente dos demais e que precisamos de equipamentos únicos, já que a juta precisa ficar submersa nas águas dos rios para que a gente separe a fibra do caule.

Hoje temos dificuldades de conseguir gente para nos ajudar disse Eronaldo Costa, que há 15 anos trabalha com produção de juta.

Representantes do governo já debatem a criação de uma câmara setorial no Ministério da Agricultura sobre fibras vegetais: Temos que unir o setor com o de outras fibras, como sisal, coco, babaçu, para buscarmos as melhores soluções. Precisamos também entender melhor o bioma da várzea dos rios amazônicos, que não desmata e que possui solo rico afirmou Aguinaldo José de Lima, assessor especial do ministério.

O cenário consumidor ajuda. Flávio Junqueira Smith, diretor da Companhia Têxtil de Castanhal (CTC) maior das três empresas sobreviventes no mercado brasileiro de juta já sente essas mudanças: Nossa venda de telas para a confecção de sacolas sempre foi pequena, mas nos últimos dois anos cresceu muito e agora já representa 7% de nossas vendas.

O faturamento da empresa em 2009 foi de R$ 60 milhões.

Smith confirma que cada vez mais é procurado por clientes inter essa do sem comprar telas para fazer ecobags a CTC não fabrica sacolas para supermercados.

As três maiores redes do país, por exemplo, conversaram recentemente com a empresa. Ele vê também um aumento do interesse de outros setores, como confecção de tapetes, curtumes e construção civil: Certamente vamos iniciar um novo ciclo no uso da juta, desde que tenhamos apoio para isso. No setor de sacolas, por exemplo: há algumas de plástico que são retornáveis ou recicláveis, mas não são como a juta, que é totalmente ecológica e social desde sua plantação e, no fim, é totalmente biodegradável.