Título: Um rombo de R$ 16 bilhões
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 12/04/2010, Economia, p. 19

Ministério diz que fraude em fundos de Sudene e Sudam é 4 vezes superior ao estimado

Uma década após a série de escândalos envolvendo a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o saque promovido por fraudadores e maus administradores nas autarquias regionais ganhou uma proporção nunca imaginada: R$ 16,6 bilhões, quatro vezes mais do que o estimado na época dos escândalos, segundo o Ministério da Integração Nacional. Este é o valor que foi pelo ralo dos fundos de investimento da Amazônia (Finam) e do Nordeste (Finor) mecanismo de financiamento das superintendências.

Passados dez anos, todos seguem impunes e o dinheiro não retornou aos cofres públicos.

Segundo o Ministério da Integração, responsável agora pelo passivo dos fundos, o calote foi aplicado por 1.571 empresas financiadas até 2001, quando as superintendências foram extintas, no governo Fernando Henrique Cardoso, em meio aos escândalos.

Empresas fantasmas, projetos inexistentes, superfaturamento e laranjas estão no rol das denúncias, que envolvem empresários, políticos e servidores.

Outra parte era de projetos mal avaliados e jamais fiscalizados.

Até hoje, fraudes das antigas Sudam e Sudene são descobertas pelo Ministério Público Federal (MPF).

Em outubro do ano passado, um velho conhecido da Sudam foi denunciado por desvio de recursos: o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA). Ele está entre os 15 acusados pelo MPF de Tocantins por desviar verba do Finam a favor da agroindústria Dona Carolina, localizada na Lagoa da Confusão (TO).

Jader teria cobrado de 15% a 20% no repasse de R$ 16,7 milhões para a empresa, segundo os procuradores.

Os recursos deveriam ter sido usados em um projeto agrícola de ração animal, grãos e sementes de arroz.

Em quase todos os projetos alguém ganhava uma grana, mas nos maiores a cúpula dominava, com Jader Barbalho e José Tourinho (exsuperintendente da Sudam) diz Rodrigo dos Santos, procurador da República em Tocantins.

Em outro caso recém-denunciado, o MPF em Pernambuco acusou três diretores da Fruticultura do Nordeste (Frutone), de Santa Maria da Boa Vista (PR), por desvio de recursos. A empresa recebeu R$ 2,1 milhões do Finor para um projeto de irrigação para cultivo de feijão, tomate, manga e uva.

O projeto foi abandonado, segundo a denúncia da Procuradoria

Empresas fantasmas recebiam verbas

O procurador da República no Pará Ubiratan Cazzeta afirma que os desvios não foram maiores porque as superintendências chegaram a um ponto de ter mais projetos aprovados pelos esquemas do que a capacidade dos fundos de realmente atendê-los.

Quem queria investir mesmo ou ficava de fora porque não havia mais recursos ou tinha que aderir ao esquema afirma o procurador.

Os desvios seguiam um ritual. Segundo os procuradores, empresas fantasmas eram criadas para receber o dinheiro do incentivo. Os projetos eram submetidos já superfaturados às superintendências, e lobistas infiltrados negociavam propinas para a aprovação. Eram emitidas notas frias simulando a realização dos investimentos.

Os fraudadores dos dois lados embolsavam os recursos e nada, ou só uma pequena parte do dinheiro, era efetivamente aplicada.

Os fraudadores se valiam ainda das grosseiras falhas de fiscalização da Sudam e da Sudene. Segundo o advogado da União Denis Moreira, que durante seis meses chefiou a intervenção na Sudam, alguns funcionários fiscalizavam projetos do alto de um avião.

Eles passavam de sobrevoo pelas obras e diziam se ela estava 60% ou 80% concluída. E muitos diziam que isso não estava errado, sempre fora feito assim relembra Moreira.

Segundo o governo, 155 empresas ainda estão sendo vistoriadas por causa de indícios de irregularidades, uma década após os escândalos. No ano passado, 47 projetos foram considerados irregulares e administrativamente condenados a devolver o dinheiro aos fundos. Há registro de fraudes em diversos estados da Amazônia Legal e do Nordeste.

Os escândalos vieram à tona em 6 de abril de 2000, quando o então presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães (PFL, atual DEM) acusou o senador Jader Barbalho de tráfico de influência na Sudam. Meses depois, foi descoberto que a mulher de Jader, Márcia Centeno, recebeu recursos do Finam para investir em um ranário. O senador acabou renunciando ao cargo para escapar da cassação.

Sudam e Sudene foram recriadas no governo Lula, em 2007. As autarquias não têm mais vínculo com os fundos. Elas dizem que mecanismos foram criados para evitar a repetição das fraudes e um número maior de técnicos foi contratado para fiscalizar empresas financiadas. Há auditorias da CGU e do Tribunal de Contas da União (TCU) pelo menos duas vezes ao ano, informou a Sudam em nota.

O repórter do GLOBO procurou o deputado Jader Barbalho em seu gabinete em Brasília e foi orientado a fazer contato com o advogado José Eduardo Alckmin, que representa Jader. Durante duas semanas de tentativas, Alckmin não retornou as ligações. José Tourinho, hoje presidente da Junta Comercial do Estado do Pará (Jucepa), também não retornou as ligações no mesmo período. Os sócios das empresas Dona Carolina e Frutone também não foram encontrados para comentar os processos.