Título: PAC esquece o Jequitinhonha
Autor: Antunes, Daniel; Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 11/06/2009, Política, p. 6

Com 5,7% da população de Minas, a região só tem direito a 1,5% dos recursos do programa para obras de saneamento e abastecimento de água, que são justamente as duas principais reivindicações dos moradores

Crisólita (MG) ¿ As mãos calejadas e a pele ressecada pelo sol são os sinais mais evidentes da vida difícil que a dona de casa Rosa Laura Nogueira de Sá, de 32 anos, leva no pequeno distrito de Pedra Bonita, na zona rural de Crisólita, um dos municípios mais carentes do Vale do Mucuri, distante 610km de Belo Horizonte. Para lavar as roupas e as louças de casa, Laura precisa caminhar todos dos dias cerca de 1km até chegar a um pequeno riacho onde se junta a outras moradoras do povoado, que têm a mesma rotina. Esse trajeto, realizado numa estrada de terra batida, é feito pelo menos quatro vezes por dia, sempre na companhia do filho de 12 anos, que a ajuda nas tarefas de casa.

A dona de casa busca a água para lavar e cozinhar em um poço artesiano na casa de um morador do povoado. Ela chega a carregar na cabeça baldes que pesam até 50kg. ¿Peço a Deus para que um dia a vida da gente possa melhorar por aqui. Isso daqui é uma penitência¿, contou Laura, que ainda não perdeu as esperanças de ser incluída no programa Bolsa Família, que daria mais tranquilidade à família, como ocorre com outros moradores do lugar. ¿Muitas famílias aqui vivem desse benefício. Na minha casa ainda não fomos contemplados, e o que o meu marido consegue trabalhando nas fazendas da região às vezes mal dá para comer¿, desabafou.

A situação das famílias que moram no local poderia ser diferente. Há cerca de 7 anos, o povoado foi beneficiado por um programa habitacional do governo Fernando Henrique Cardoso. No projeto, estava prevista a implantação de um sistema de abastecimento de água em todas as casas. Uma caixa d¿água com capacidade para 100 mil litros foi construída e seria suficiente para abastecer as residências. A caixa nunca foi usada e está abandonada no meio de um matagal de difícil acesso. ¿As casas aqui do povoado têm a canalização pronta desde que o programa foi lançado, mas até hoje não foi usada. Hoje, para as famílias receberem água nas torneiras de suas casas, esse projeto terá que ser refeito, já que muita coisa se perdeu¿, contou o trabalhador rural João Pereira dos Santos, de 51 anos.

Jequitinhonha O Vale do Jequitinhonha/Mucuri, região pobre e esquecida de Minas Gerais, vive o mesmo drama dos sertões do Nordeste. Recebe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) menos investimentos do que as regiões mais desenvolvidas do estado. Com uma área que representa 12% de Minas (70 mil Km²), o Jequitinhonha fica com 7,4% dos recursos reservados a Minas pelo maior programa de infraestrutura do governo Luiz Inácio Lula da Silva. São R$ 2,3 bilhões contra cerca de R$ 31 bilhões do estado. A maior obra do Jequitinhonha, a concessão da BR-116, fica com 60% dos recursos da região e ainda está em fase de ¿ação preparatória¿.

Mas a maior reivindicação da população daqueles grotões é água. Também moradora de Pedra Bonita, a doméstica Nilza Alves da Costa, de 40 anos, comprou uma bomba elétrica para tragar a água de uma mina até a porta da sua casa. O equipamento custa em média R$ 400. ¿Tivemos que tirar a comida da boca dos nossos filhos para poder ter água na porta de casa. A nossa renda é o auxílio de R$ 120 do Bolsa Família e é complementada com os bicos que meu marido faz nas fazendas de plantações da região.¿ Nilza mora numa casa simples com mais quatro filhos e, para não encarecer a conta de luz, a bomba d¿água é usada duas vezes por dia a fim de completar o reservatório de 500 litros.

¿Quando precisamos de um banho mais demorado ou lavar a roupa, a gente recorre à água do rio¿, explicou. Os recursos do PAC para obras de saneamento, abastecimento de água e melhorias habitacionais no Vale do Jequitinhonha são insignificantes. São R$ 70 milhões, contra os R$ 4,5 bilhões reservados para todo estado. Com 5,7% da população de Minas, o vale ficará com apenas 1,5% da verba total. A mesma distorção é observada nas regiões mais pobres do Nordeste, a Chapada do Araripe, Xingó e Seridó, como mostrou série de reportagens publicada pelo Correio/Estado de Minas a partir do último domingo.

Um bom exemplo dessa distorção é Belo Horizonte. Com recursos de R$ 1,1 bilhão para obras de saneamento e habitação, a capital mineira terá investimentos correspondentes a R$ 496 por habitante. No Jequitinhonha, a média de investimentos fica em R$ 64,2 por pessoa.