Título: Agora, o país quer ver as propostas
Autor: Teixeira, Miro
Fonte: O Globo, 14/04/2010, Opinião, p. 7

Referência da esquerda entre os principais nomes da política, Lula exerce o poder como um presidente conciliador e deixará ao país um modelo de equilíbrio entre as forças e interesses nacionais, que poderá representar um novo momento em nossas vidas.

A boa novidade começa a se exibir, depois que nossa história, no pós-guerra, viveu sobressaltada pelo suicídio de Getúlio, renúncia de Jânio, deposição de João Goulart, a frustração do Plano Cruzado e o impeachment de Collor.

Hoje temos candidatos à Presidência da República com a honradez testada no exercício de cargos públicos que ensejavam práticas de corrupção, de demagogia, de ofensas eleitoreiras a adversários, e a elas não se entregaram.

Tal plantel de pessoas honradas remete-nos a uma campanha eleitoral civilizada, com a exibição de programas de governo a orientar o voto dos cidadãos.

Os fracassos e as culpas estarão ausentes do cardápio de campanha como se antevê no bate-boca preliminar entre Dilma e Serra, que chega a ser ingênuo diante das imprecações que candidatos dirigiam aos concorrentes, em tempos idos.

¿O Brasil pode mais¿, de Serra, pareceu uma grande novidade até mesmo para Lula, que chamou o tucano para a briga, como que ofendido pelo óbvio.

É claro que o Brasil pode mais e, espera-se, sempre deverá buscar este ¿mais¿, por todos os séculos dos séculos.

E como que a demonstrar que também é de briga, Serra atribui a Dilma uma ofensa aos exilados, por conta de um desabafo da candidata, seguidamente apontada como terrorista.

¿Eu não fugi à luta¿ me parece mais a explicação de quem exerceu o direito de insubordinação diante da ditadura.

Mineira, com trajetória política no Rio Grande do Sul, Dilma não cometeria o desatino do sarcasmo diante da deposição de João Goulart, marco da ditadura de 1964.

A sofreguidão no aproveitamento de frases de efeito revela a falta de melhor munição dos contendores, ambos candidatos a continuar o governo Lula, com os avanços possíveis graças à plataforma de lançamento que herdarão para suas metas.

Porque assim tem sido. Da ênfase anti-inflacionária do Plano Real de Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula foram seguidores, e quem os suceder o mesmo fará, sem alcançar a perfeição, como Lula não alcançou como demonstram as altas taxas de juros.

O Bolsa Família foi precedido pelo ticket do leite e pelo Bolsa Escola, porque ¿quem tem fome tem pressa¿, como explicavam Betinho e Dom Mauro Morelli, a bater em portas, com a ajuda de Zuenir Ventura, para mobilizar governos contra os bolsões de miséria.

Passada a refrega dos fraseados, os candidatos terão que explicar como resolverão problemas que se tornam crônicos.

Os trabalhadores acompanham atemorizados a situação dos aposentados, com os proventos reduzidos em comparação ao saláriomínimo.

As famílias continuam surpreendidas pela falta de cobertura dos planos de saúde. As cidades, à míngua de obras e ser viços, se equilibram entre enchentes, gripes, dengue e assaltos. Sobram impostos e faltam soluções.

Deixamos a era do risco de violações governamentais a direitos fundamentais. A sociedade conquistou a liberdade de uma vez por todas. Temos instituições a assegurála, qualquer que seja o governo.

Os brasileiros merecem conhecer desde logo as propostas dos candidatos, para conferi-las, debatêlas, criticá-las. É o que esperamos de todos.

E, para temperar a polêmica sobre a frase de Dilma, mesmo com a indelicadeza de lhe retirar a originalidade, os candidatos podem cantar em coro, do nosso Hino, ¿verás que um filho teu não foge à luta¿.