Título: O Ibama e as compensações ambientais
Autor: Goldemberg, José
Fonte: Correio Braziliense, 11/06/2009, Opinião, p. 21

Professor da USP e ex-secretário de Meio Ambiente da Presidência da República

A Empresa de Planejamento Energético (EPE) do Ministério de Minas e Energia prepara regularmente planos de expansão futura das usinas geradoras de eletricidade o que, na prática, determina como e onde se investe em energia elétrica no país. Isso é o que aconteceu recentemente nos leilões realizados pela EPE que privilegiaram usinas térmicas alimentadas com óleo combustível, o mais poluente dos derivados de petróleo.

Como consequência, o Plano Decenal 2008-2017 prevê que a atual matriz energética do país vai se modificar até 2017. A energia hidroelétrica, que hoje responde por 85% da capacidade instalada vai cair para 75%, devido à construção de inúmeras usinas térmicas ¿ sobretudo no Norte e Nordeste ¿ à base de óleo diesel, óleo combustível e carvão. Energias renováveis praticamente não aparecem nestes planos.

Assim, teremos mais poluição em nível local e, sobretudo, mais emissões de gases de efeito estufa, o que vai na contramão do que está ocorrendo no mundo. O que seria razoável é estimular a construção de mais usinas hidroelétricas, porque até o momento o país só explorou um terço da capacidade disponível.

É surpreendente ¿ e até inacreditável ¿ que a Empresa de Planejamento Energético não tenha consultado previamente o Ministério de Meio Ambiente para obter avaliação preliminar dessa decisão. O Ministério de Minas e Energia e a EPE se defendem argumentando que licitaram térmicas devido às dificuldades que o Ibama cria para licenciar hidroelétricas. A verdade é que não existem estudos hidrológicos adequados e nem projetos de qualidade minimamente aceitáveis para permitir que o Ibama as licencie. É por essa razão que a últimas usinas licitadas no Madeira se encontra há mais de 2 mil quilômetros dos grandes centros consumidores, quando há aproveitamentos mais próximos que não estavam em condições de serem licenciadas.

Para corrigir o problema ou pelo menos atenuá-lo, o Ibama ¿ correndo atrás do prejuízo ¿ propôs ao Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) uma resolução que disciplina as compensações ambientais necessárias para viabilizar os empreendimentos térmicos. A resolução determina que o empreendedor deverá mitigar o equivalente a 50% do total das emissões de carbono (CO2) geradas ao longo da vida útil do empreendimento (25 anos) mediante reflorestamento, sobretudo em áreas degradadas.

Essa é uma excelente proposta sobretudo numa época em que o Ibama é acusado de obstruir o desenvolvimento por exigir nada mais do que o cumprimento da legislação ambiental. A rigor o licenciamento de termoelétricas a carvão e óleo combustível poderia até encontrar dificuldades maiores. Veja-se o exemplo da Usina Termoelétrica de Piratininga, em São Paulo, que gerava cerca de 400 mil kilowatts queimando óleo combustível. Ela foi interditada pela Cetesb para reduzir a poluição em São Paulo e só voltou a funcionar quando foi adaptada para queimar gás natural.

O reflorestamento proposto pelo Ibama, que deverá absorver parte das emissões de CO2 das térmicas, não é muito diferente das compensações que se exige toda vez que uma obra ¿ como a abertura de uma estrada ¿ provoque danos ambientais. Para cada árvore derrubada em função da obra, as autoridades ambientais exigem, tipicamente, que se plantem 10 outras. No caso das termoelétricas, se exige apenas que metade das emissões seja compensada por reflorestamento em 25 anos.

A proposta é coerente com a decisão de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em geral e tem a vantagem de promover o reflorestamento. Melhor seria se a Empresa de Planejamento Energético, no lugar de licitar usinas térmicas, criasse estímulos para a produção de energias renováveis da biomassa, eólica (ventos) e outras onde as exigências de compensações ambientais seriam menores. Esperar que isso aconteça seria, talvez, esperar demais de um planejamento que é feito sem levar em conta impactos causados pelas obras e que coloca o ônus todo sobre o Ibama.