Título: Um compromisso global
Autor: Eichenberg, Fernando; Martins, Marília
Fonte: O Globo, 14/04/2010, O Mundo, p. 29

Em conferência, Obama obtém promessa de países para controlar o estoque atômico até 2014

Ao encerrar a Cúpula de Segurança Nuclear ontem em Washington, o presidente Barack Obama fez uma advertência sobre os riscos de que armas nucleares possam parar em mãos de organizações terroristas, e conclamou os 47 países participantes do encontro a transformarem palavras em ações, a fim de garantirem a segurança dos arsenais nucleares no prazo de quatro anos. Seguindo o exemplo da Ucrânia, o México, o Canadá, o Chile e a Malásia também anunciaram a intenção de eliminar todos os seus estoques de urânio enriquecido, e a conferência produziu um comunicado com medidas para impedir ¿agentes não governamentais¿ de terem acesso à tecnologia nuclear e a materiais para produção de artefatos atômicos.

O documento não é vinculante; enfatiza o papel central da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); menciona o direito de países desenvolverem a energia nuclear para fins pacíficos; e prevê um prazo de quatro anos para que os signatários cumpram as 12 medidas de segurança e de combate ao tráfico nuclear recomendadas, incentivando a restrição à troca de material nuclear e à promoção de investimentos em segurança.

¿ É uma cruel ironia da História que o perigo de um ataque nuclear tenha aumentado, enquanto o risco de uma guerra nuclear tenha sido reduzido, especialmente depois da Guerra Fria. As redes terroristas, como al-Qaeda, tentam adquirir material para armamento nuclear, e se vierem a conseguir será uma catástrofe para o mundo ¿ enfatizou o presidente americano. ¿ Hoje é uma oportunidade, não apenas de falar, e sim de agir. Não apenas de fazer promessas, e sim verdadeiros progressos para a segurança da comunidade internacional.

Enquanto as delegações conversavam em plenário, Obama tinha encontros paralelos em busca de apoio a medidas para pressionar o Irã a deter seu projeto de enriquecimento de urânio. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o fim de todos os arsenais nucleares como a única forma de garantir definitivamente a segurança mundial, e insistia em dizer que o combate ao terrorismo não deveria prejudicar o acesso de países à tecnologia atômica para fins pacíficos.

Mais tarde, ao encerrar o encontro com uma entrevista coletiva, Obama elogiou a decisão do presidente russo, Dmitry Medvedev, de eliminar seu último reator de plutônio. Os EUA e a Rússia assinaram também um acordo para reduzir os estoques de plutônio de uso militar, com cada país descartando 34 toneladas métricas do material, o suficiente para 17 mil armas. Segundo a AIEA, o material em estoque no mundo ¿ e teoricamente vulnerável a roubo ¿ poderia ser suficiente para produzir até 200 mil bombas.

Obama voltou a falar em sanções da ONU contra o Irã como um exemplo de ação para sinalizar o compromisso da comunidade internacional com um mundo mais seguro.

¿ Muitos países têm relações com o Irã, e nós entendemos, mas também é verdade que reunimos um grande número de países que apoiam o caminho de isolar aqueles que ameaçam a paz mundial. As palavras têm de ter significado e têm de ter consequências para aqueles que não cumprem suas obrigações. Além disto, não vou especular em que ponto estamos ¿ disse.

Já o presidente Lula alertou para a possibilidade de descrédito da ONU e defendeu a vinculação do tema da segurança nuclear à reforma do Conselho de Segurança. Lula falou de improviso, mas o documento distribuído pelo Itamaraty resume a posição brasileira do seguinte modo: ¿Não podemos falar em segurança nuclear sem pensar em que tipo de governança global administra a segurança internacional no mundo de hoje. (...) A ONU vem perdendo credibilidade. Ao não contar com um Conselho de Segurança mais representativo e com maior legitimidade mdash; e cada vez mais descompassado com a realidade atual ¿ as Nações Unidas perdem espaço na governança da segurança internacional.

Isso não interessa a ninguém¿.

Não convidada a participar, a Coreia do Norte recebeu uma clara mensagem com o anúncio de que a próxima Cúpula de Segurança Nuclear será realizada na Coreia do Sul, em 2012.