Título: Remover não é solução
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Fonte: O Globo, 19/04/2010, Opinião, p. 6
As Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de 2014, que serão realizadas no Rio de Janeiro, já haviam pautado a remoção de 119 comunidades pela prefeitura. Agora, com a catástrofe das chuvas que abalaram a Cidade Maravilhosa, tal número subiu para 158.
O prefeito Eduardo Paes está com carta branca para promover remoções e ¿limpar¿ a cidade para os megaeventos que mobilizarão o Rio. Ocorre que essa já era sua intenção antes das chuvas.
A remoção de pessoas em domicílios que estão em áreas declaradamente de risco é importantíssima, desde que se tenha um plano municipal que não seja imediatista e para inglês ver, já que existe uma grande preocupação, neste período eleitoral em que vivemos, de maquiar a realidade e fazer com que a sociedade carioca esteja do lado do comando do poder público municipal, que pretende se perpetuar em outras esferas.
A saída dos gabinetes com o objetivo de estar ao lado dos que estão sofrendo sem um teto, tendo perdido seus bens e ficado reduzidos a quase menos que nada, deveria fazer com que todos que ocupam uma função dentro das esferas de poder entendessem a necessidade de manter esse enorme contingente de desabrigados informados, sabendo o que vai acontecer com suas vidas e as de seus parentes.
Quem já se imaginou com sua família, tendo perdido a casa, morando em um colégio ou uma igreja e ainda sem informação do que vai acontecer? Como essas pessoas que já perderam tudo estão sendo tratadas? Todos que moram em uma comunidade, apesar das dificuldades, têm vínculos familiares, de amizade, sabem como fazer para ir para o trabalho e têm filhos que estudam perto de onde moravam. E agora? Vão para onde? Removê-los é a solução? Quem sabe, melhor seria revitalizar a comunidade.
Neste momento crítico entendemos que existe uma necessidade de respostas do poder público. Porém, apenas dizer que serão construídas três mil casas para os desabrigados, em Triagem, não parece o mais razoável.
Afinal, quem conhece o Rio de Janeiro sabe que esses bairros populosos carecem de infraestrutura até mesmo para comportar a população que lá reside, quanto mais para receber tamanha quantidade de novos moradores.
Reforço aqui que não sou contra que se retire as pessoas que estão em áreas em que suas vidas corram perigo, porém, quando se fala em ¿remoção¿, uma palavra que quase se tornou esquecida e que assusta a população da favela, não se pode ser leviano sem apresentar claramente todos os fatos, propor soluções ¿ e que essas sejam as melhores para aqueles que estão diretamente envolvidos.
Ampliar o debate para continuar ouvindo a opinião pública e principalmente os mais afetados, no caso os moradores das favelas, que foram os que mais sofreram e tiveram perdas com as chuvas, é de fundamental importância.
ANDRÉ FERNANDES é jornalista e diretor da Agência de Notícias das Favelas.