Título: Emancipação de olho nos royalties
Autor: Araújo, Paulo Roberto; Candida, Simone
Fonte: O Globo, 19/04/2010, Rio, p. 14

Alerj vota amanhã criação do município de Tamoios, mas deputado diz que projeto é inconstitucional

A toque de caixa e de olho nos royalties do petróleo, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) pode aprovar, amanhã, véspera de feriadão, a criação do 93omunicípio fluminense.

Um projeto de lei que será votado, em sessão extraordinária, num dia de pouco movimento na Alerj, propõe a criação do município de Tamoios, a ser desmembrado de Cabo Frio, na Região dos Lagos. De autoria dos deputados Jorge Picciani (PMDB), Paulo Ramos (PDT) e Alcebíades Sabino (PSC), o projeto 3008/2010 prevê que o novo município será formado por todas as terras que atualmente compõem o 2odistrito de Cabo Frio ¿ uma área de cerca de 300 quilômetros quadrados, que corresponde a 73% do total de Cabo Frio.

Com a aprovação do projeto, o novo município teria, além de uma nova prefeitura, uma Câmara com nove vereadores. Segundo Paulo Ramos, Tamoios contribui com 75% da receita de royalties de Cabo Frio e não recebe nem 5% desse total em investimentos: ¿ A área está completamente abandonada, com ruas sem asfalto e rede de esgoto. Lá só há uma agência bancária.

E estamos tentando levar uma agência dos correios ¿ alega Ramos.

O secretário de Indústria e Comércio de Cabo Frio, Carlos Valentim, diz que um estudo técnico sobre a divisão de royalties em caso de emancipação de Tamoios, encomendado pela prefeitura, fica pronto hoje: ¿ É preciso ver a localização dos campos de produção de petróleo, a extensão territorial e a população para se chegar ao percentual preciso.

Além do mais, Cabo Frio terá um reforço de arrecadação porque, a partir do dia 4, nosso aeroporto passará a ser usado para operações aéreas de apoio às plataformas de petróleo.

O novo projeto substitui um anterior, que tramita na Alerj desde 2005.

De acordo com Paulo Ramos, a separação de Tamoios é uma reivindicação antiga da comunidade, que se sente abandonada e isolada de Cabo Frio, tendo que recorrer à Barra de São João, em Casimiro de Abreu, para ter acesso a serviços como os do Juizado Especial e até mesmo dos correios.

O fato de o projeto ter sido apresentado na última quarta-feira, sendo enviado para a votação, em regime de urgência ¿ que prevê uma única discussão ¿, em menos de uma semana, está sendo criticado por parlamentares da oposição.

¿ A criação de um novo município, pela sua importância, não poderia ser votada tão rapidamente, em cinco dias. É preciso que a idéia seja debatida e que a sociedade fique sabendo.

Além disso, numa hora em que o Rio poderá perder receita dos royalties por causa da emenda Ibsen, não é apropriada a criação de um novo município, que geraria mais despesas.

Não foi feito nenhum estudo de viabilidade para a criação desse município.

O Estado do Rio não precisa de novas cidades. Precisa é que as cidade existentes sejam bem administradas ¿ concluiu Molon, que pretende pedir que votação seja retirada da pauta.

Na opinião do secretário de Fazenda de Cabo Frio, Clésio Guimarães, tudo não passa de jogo eleitoral: ¿ É uma ação em função das próximas eleições. Nunca se gastou tanto no segundo distrito como nos últimos quatro anos. Foram gastos mais de R$ 30 milhões somente em obras, sem falar em equipamentos urbanos e manutenção. A maior obra foi a pavimentação da via marginal no sentido Barra de São João-Cabo Frio. Este ano, será feita a via do outro lado da RJ-106, no sentido Cabo Frio-Barra de São João. O distrito está ganhando uma UPA 24 horas, o complemento das obras do estádio poliesportivo e a ampliação do hospital municipal.

Foi criada uma subprefeitura para coordenar as ações no distrito, que agora tem um canal direto com o prefeito e as secretarias municipais.

Já o presidente Associação pelo Movimento de Emancipação de Tamoios, Luiz Carlos Carnaval, diz que a população do lugar se sente excluída pelas autoridades de Cabo Frio. Segundo Carnaval, o distrito tem entre 35 mil e 40 mil habitantes, mas são poucas as ruas asfaltadas e muitas casas não têm esgoto nem água encanada. Cabo Frio recebeu R$ 135 milhões de royalties no ano passado. O repasse corresponde a 40% da receita municipal.

¿ Estamos isolados, a 50 quilômetros da sede do nosso município.

Quando temos que registrar um crime, por exemplo, precisamos ir a Búzios. Tamoios, que tem dez quilômetros de orla e um rio importante, o São João, sequer consta no mapa turístico de Cabo Frio. Não podemos continuar nesse isolamento ¿ reclama Carnaval, que promete levar dez ônibus lotados para a Alerj amanhã.

Para o deputado Paulo Melo (PMDB), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Alerj, não há dúvida de que o projeto é inconstitucional: ¿ O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem jurisprudência sobre a criação de novos municípios, que só poderão ser criados após mudanças na Constituição. Esse projeto de Tamoios vai receber emendas e dificilmente será aprovado. Por diversas vezes, a Comissão de Constituição e Justiça da Alerj já levantou a inconstitucionalidade desse projeto.

Professor de Direito Constitucional da UFF, o advogado Cláudio Pereira Neto afirmou que a criação de municípios é inconstitucional enquanto o Congresso Nacional não editar uma lei complementar, que fixará critérios mais rígidos. Essa lei deverá exigir, inclusive, estudos de viabilidade para a criação de municípios. Segundo ele, até 2005 alguns distritos, como Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia, foram criados de forma irresponsável: ¿O Congresso decidiu admitir a criação desses municípios para não implantar o caos. Mas, ao mesmo tempo, proibiu a formação de novos, antes da edição de lei complementar, para evitar que cidades sejam criadas de forma irresponsável e aleatória.

O vice-governador Luiz Fernando Pezão também acha difícil o projeto ser aprovado: ¿ A lei vigente diz que os moradores do município a ser criado e do município-mãe têm de ser ouvidos, através de plebiscito. Acho muito difícil Cabo Frio aprovar a criação de um novo município, pois tem que tirar recursos dos próprios cofres.

Tamoios ganhou este nome porque é cortado pelos rios Una e Gargoá, que eram usados no passado por índios Tamoios. O local começou a ser degradado há 30 anos, quando a vegetação foi derrubada para permitir a extração irregular de areia. Logo depois, veio a ocupação irregular: 80% das casas estão em áreas de posse ou invadidas.