Título: A politização da política externa e os interesses nacionais
Autor: Lima, Maria Regina Soares de
Fonte: Correio Braziliense, 11/06/2009, Opinião, p. 21

Professora titular do Iuperj/Ucam, coordenadora do OPSA

Alguns setores políticos têm criticado a atual política externa, especialmente com relação à América do Sul, por conta de um suposto viés ideológico, que responderia mais às preferências políticas e ideológicas do PT do que aos verdadeiros interesses nacionais. O tema é relevante ainda que incorra em erros de interpretação sobre os significados das expressões politização e interesse nacional.

Como é sabido, o último é um conceito que pode assumir diferentes sentidos, mas de forma intuitiva denomina aqueles interesses vitais de uma nação, tal como sua integridade física e territorial. Também pode ser pensado como o conjunto de princípios e orientações que contam com expressivo consenso entre as forças políticas e sociais de um país. Dois exemplos de países distintos são, por exemplo, o consenso bipartidário nos EUA na época da guerra fria e o padrão de inserção internacional do Brasil no pós-guerra com base no modelo de substituição das importações.

A politização ocorre quando a coesão entre as elites ou o consenso com respeito às diretrizes da política externa desaparece, tornando-se essa última a resultante do embate das forças político-sociais que buscam definir o conteúdo dos assim denominados interesses nacionais. Dessa perspectiva, e sobretudo a partir da globalização econômica, a politização ou a partidarização da política externa constitui fenômeno habitual nas democracias. Apenas nos momentos em que os interesses vitais estão ameaçados ¿ como são as situações de guerra ou de intervenção externa ¿ a nação se une em torno de uma única direção de política externa.

Tanto no caso do Brasil quanto no dos EUA, o consenso em torno dos objetivos de política externa deixou de existir em função do fim da guerra fria, no primeiro, e do esgotamento do modelo de inserção internacional, no segundo, a partir dos anos 1990. A evidência da politização da política externa norte-americana está refletida no fim do consenso bipartidário e na dificuldade do Executivo daquele país de utilizar a política comercial como um instrumento de política externa na defesa da liberalização multilateral. No nosso caso, a partidarização também ocorreu com a redemocratização, a abertura econômica e a nova inserção do país nos circuitos de produção globalizados.

Um bom exemplo de partidarização da política externa é a diferença de modelo de integração levado a cabo pela coalizão partidária de centro-direita do governo Fernando Henrique Cardoso e aquele implementado pela coalizão de centro-esquerda que dá sustentação parlamentar ao governo Lula. No primeiro, a integração tinha forte viés comercialista com vistas a consolidar a abertura econômica que então se processava no país. O modelo de regionalismo do atual governo é distinto, com base não apenas na integração física e produtiva, mas, também, abarcando dimensões sociais, culturais e identitárias.

Diversas iniciativas do governo Lula, como a criação do Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul, a constituição do Conselho Sul-Americano de Defesa, a reativação do Convênio de Créditos Recíprocos, o apoio à Unasul e ao Banco do Sul, e a incorporação da Venezuela ao Mercosul, expressam essa nova modalidade de integração da América do Sul, a que se opõem aqueles que gostariam de restaurar o modelo comercialista do governo anterior. Como ocorre em qualquer democracia, a oposição se dá entre concepções distintas da integração regional e conteúdos diferentes dos interesses nacionais. O modelo de regionalismo do governo Lula é mais adequado aos complexos desafios e também às expressivas oportunidades da América do Sul para o Brasil na atualidade.