Título: As falhas da Justiça criminal
Autor:
Fonte: O Globo, 15/04/2010, Opinião, p. 6

As críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, às falhas do sistema judiciário no monitoramento do pedreiro Adimar Jesus são, ao mesmo tempo, expressão da indignação da sociedade e uma abalizada arguição da estrutura da Justiça criminal do país. Adimar cumpria pena por crime de atentado ao pudor, e, em liberdade graças ao benefício do regime semiaberto de prisão, assassinou seis jovens em Goiás, depois de submetê-los a abusos sexuais.

O caso de pedófilo goiano é exemplar, mas não é único - e, tampouco, haverá de ser o último -, num país em que a legislação penal está em dissonância com a dura realidade da criminalidade. E em que, para deixar a Justiça criminal no pior dos mundos, a Lei de Execuções Penais (LEP) é aplicada equivocadamente. Chega-se, assim, à esquizofrênica situação em que uma legislação inadequada é, por sua vez, empregada inadequadamente, não poucas vezes com agravos à segurança da sociedade.

O que está em discussão não é apenas a questão dos benefícios penais assegurados pela LEP, concedidos, à vista de incontáveis casos de bandidos de alta periculosidade que saíram da prisão antes de cumprir as penas, sem o devido pressuposto da capacidade de ressocialização do preso. Devem-se discutir, no bojo de casos pontuais como o de Adimar, o próprio sistema penitenciário e, fazendo coro com as críticas do presidente do STF, toda a estrutura da Justiça criminal.

O sistema prisional, já fartamente demonstrado, não cumpre a função correcional. Levantamento da Vara de Execuções Penais do Rio revela que 80% dos condenados que cumprem pena em regime fechado voltam a cometer crimes quando saem da prisão. O problema não está, obviamente, apenas em manter criminosos encarcerados, o que é da essência de leis elaboradas para salvaguardar a sociedade. A distorção reside num sistema que não ressocializa, ou o faz em níveis desprezíveis, a população carcerária.

Se não recupera o preso, o sistema também é míope para distinguir entre os condenados aqueles passíveis de se reintegrar à sociedade. Tem-se, aqui, um dos vieses mais perversos da estrutura punitiva do Estado. Autores de delitos menores convivem nas prisões com bandidos formados na violência do crime organizado. Nesses casos, justifica-se, por exemplo, a aplicação de penas alternativas, como prestação de serviços comunitários. Além de abrir espaço nos presídios para criminosos de alta periculosidade, um dos caminhos para resolver o grave déficit de vagas no sistema prisional, essa opção é abalizada por constatação da VEP: apenas 10% dos que cumprem penas alternativas no Brasil voltam a cometer delitos.

Há que se promover urgentemente reformas nessa estrutura. Ela pune a sociedade por não manter presos, pelo tempo necessário, aqueles que a afrontam e castiga apenados circunstanciais, por lhes restringir o direito à ressocialização. Uma deformação que, em última análise, atenta contra os mais elementares preceitos do estado de direito.