Título: García sob cerco
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 11/06/2009, Mundo, p. 22

Central sindical convoca marchas em apoio a indígenas da Amazônia que enfrentam as tropas oficiais. Manifestantes querem revogação de decretos permitindo a exploração de reservas

O presidente do Peru, Alan García, não escapará de ser cobrado pelos peruanos nos próximos dias. A crise iniciada no fim de semana na região amazônica, com confrontos violentos entre indígenas e tropas oficiais, ganha hoje novo ingrediente: trabalhadores realizam à tarde uma marcha em apoio às reivindicações indígenas. O protesto foi convocado pela Confederação Geral de Trabalhadores do Peru (CGTP) e será repetido em várias cidades. Só na capital, Lima, a CGTP espera reunir de 10 a 15 mil pessoas na Praça 2 de Mayo e na passeata que seguirá até o palácio de governo.

¿A marcha é para exigir a revogação dos decretos legislativos que privatizam a Amazônia, a formação de uma comissão nacional para reiniciar o diálogo e uma investigação internacional sobre os acontecimentos em Bagua¿, justifica a CGTP, referindo-se ao primeiro confronto na Amazônia ¿ as autoridades citam 35 mortos, mas organizações indígenas falam em mais de 50. José González, assessor da central sindical, disse ao Correio que os trabalhadores também querem a demissão do gabinete.

O Congresso peruano suspendeu por 90 dias a vigência do decreto legislativo que regula a exploração privada nas reservas indígenas. ¿O governo fez isso a fim de ganhar tempo para impor esse decreto e mantê-lo vigente¿, acusou González. Já Mario Ríos, da Comissão de Povos Andinos do Congresso, considera que a suspensão servirá ¿como um período para refletir sobre o tema, buscar saídas mais consensuais ou mesmo escrever uma nova lei¿. Questionado se haveria consulta às comunidades indígenas, Ríos respondeu: ¿Imagino que se abra um período para consultá-los e trabalhar numa mesa de diálogo crível¿.

Conflito Na última sexta-feira, em uma zona denominada Curva do Diabo, a polícia nacional atacou manifestantes indígenas do povoado de Bagua com bombas de gás lacrimogêneo. O incidente originou um fogo cruzado que, segundo os manifestantes, deixou 50 mortos e desaparecidos. ¿Há muita dor. Há muita gente que não viu seus filhos e esposos regressarem. Eles foram protestar (na sexta-feira) e ainda não voltaram¿, denunciou Gustavo Mallma, da Associação Interétnica da Selva Peruana.

¿(O conflito) é responsabilidade completa do governo. Não pode ser que um protesto dure 55 dias e não haja nenhum tipo de discussão, nenhuma luz no fim do túnel¿, protestou. O assessor lamenta que o tema tenha entrado na pauta do governo apenas depois dos confrontos. Ele afirma que a legislação sobre a exploração das riquezas em áreas de reserva deveria ter sido negociada com os indígenas um ano atrás. ¿O governo deveria ter consultado os povos para saber se isso também lhes convém e interessa, de acordo com as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) assinadas pelo Peru¿, destacou. ¿Isso não foi cumprido, então tudo o mais é considerado inconstitucional.¿

Ríos alegou que ¿houve consultas importantes¿ com os indígenas. E o Ministério da Justiça informou que uma comissão ministerial viajará nos próximos dias a Bagua para dialogar com comunidades nativas, recolher suas demandas e elaborar um plano de desenvolvimento para a região. ¿Estamos vivendo momentos difíceis, mas a obrigação das autoridades é recuperar o diálogo. Devemos ter uma vocação de maior convocatória e dar espaço à conciliação, sem diferenças políticas¿, disse a ministra da Justiça, Rosario Fernández.

Gustavo também destaca que as comunidades nativas consideram que o investimento indiscriminado de indústrias ¿ de mineração, petróleo e madeira ¿ vai prejudicar o meio ambiente. ¿Eles já têm experiências desse tipo com indústrias: quanto mais riquezas elas extraem do solo, mais pobres e desiguais tornam-se as cidades. Além disso, os lucros acabam centralizados em Lima e nos países-sede das empresas que exploram esses recursos¿, ressaltou.