Título: O BNDES dos Brics
Autor: Oswald, Vivian; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 15/04/2010, Economia, p. 25

CÚPULA EMERGENTE

Acordo une bancos de desenvolvimento de Brasil, Rússia, Índia e China para ampliar empréstimos

Vivian Oswald, Martha Beck, Henrique Gomes Batista e Liana Melo

Um fundo bilionário de fomento está no horizonte dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China). Amanhã, governos dos quatro países assinam um acordo de cooperação entre seus bancos de desenvolvimento que estabelece as diretrizes para o que poderá vir a ser uma espécie de"BNDES do grupo". O objetivo é turbinar os investimentos entre estes países. O documento foi finalizado em uma reunião comandada pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, no Rio, durante toda a terça-feira, com presidentes e vices-presidentes dos bancos de fomento dos parceiros. O acordo é um dos primeiros resultados concretos da II Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do Bric, a ser realizada amanhã em Brasília.

Apesar de ambicioso, o acordo não tem data para entrar em vigor e será implementado aos poucos, com cautela. Ainda não há um valor definido para o montante a ser emprestado a projetos dos quatro países nem o formato que terá o fundo. Por outro lado, segundo fontes do governo brasileiro, tampouco está descartada a possibilidade de vir a ser constituído um novo banco. Russos que participaram do encontro confirmaram que a ideia é liberar as linhas de financiamento à medida que forem apresentados projetos.

Brasil ganha com desburocratização

Em um primeiro momento, haverá grande troca de informações e experiências. O objetivo é abrir espaço para um intercâmbio cada vez mais intenso de financiamento de projetos entre os Brics, inclusive com desembolso conjunto. Este tipo de operação será mais fácil nos projetos que não são conflitantes, como nos setores de alimentos e energia.

-- Um exemplo de sinergia é que China, Índia e África do Sul são grandes consumidores de energia, enquanto Brasil e Rússia têm grandes superávits de energia -- afirmou o vice-presidente do Conselho Chinês de Promoção Internacional do Comércio (CCPIT, na sigla em inglês), John Zhang Wei, referindo-se ao comércio de forma geral, e não ao acordo entre os bancos, uma vez que a África do Sul não participa do grupo.

A Rússia, um dos principais incentivadores do acordo dos bancos, reformulou há três anos o Banco de Desenvolvimento Vnesheconcom, o "BNDES russo", criado em 1924. Até por isso, a Rússia é um dos países que mais tem a ganhar com o conhecimento dos outros bancos. No Brasil, segundo empresários, novas modelagens financeiras e desburocratização poderão ser os principais benefícios do acordo.

E a necessidade de investimentos no bloco é imensa. Enquanto o Brasil anuncia que a segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2) terá investimentos de R$1 trilhão até 2014, a Índia informa que o setor de infraestrutura local consumirá US$1,7 trilhão até 2017. Naquele país, são construídos 20 quilômetros de novas rodovias por dia. Na Rússia, a demanda é generalizada:

- Quase toda a nossa infraestrutura é da época da União Soviética. E, com o fim do bloco soviético, praticamente ficamos sem portos, os principais estavam em locais onde agora são outras nações independentes. Temos que criar portos do zero - afirmou Sergey Vasilyev, vice-presidente do banco Vnesheconcom.

Os recursos disponíveis para investimentos em desenvolvimento nos Brics podem superar os volumes de recursos de tradicionais organismos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que tem um orçamento menor do que o do BNDES. Empréstimos do BID chegaram a US$15,5 bilhões em 2009. Somente na última década, o Banco de Desenvolvimento da China emprestou 1,6 trilhão de yuans (cerca de US$234,4 bilhões) a mais de 4.000 projetos nas áreas de infraestrutura, comunicações, transportes e indústrias. Parte destes empréstimos chegaram ao Brasil, inclusive à Petrobras.

Amorim: bloco não pretende ser elite

O encontro dos Brics está sendo precedido de reuniões paralelas e confirma a força crescente da associação criada em 2001 com base no acrônimo desenvolvido em um relatório financeiro do banco Goldman Sachs. No Rio, um encontro empresarial reúne 350 empresários dos quatro países e da África do Sul - já que haverá nesta mesma semana a cúpula do Ibas (grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul). Embora sem muitos negócios, o encontro foi considerado um sucesso, por ser a primeira vez que empresários destas nações se encontram. Indianos, por exemplo, lembraram aos empresários brasileiros que eles são fundamentais para a segurança alimentar e energética do país.

- Houve uma mudança no sistema de placas tectônicas da economia mundial - disse Rob Davies, ministro da Indústria e Comércio da África do Sul.

Apesar destes avanços, os Brics não devem formar um bloco tradicional, cheio de burocracias.

- O Bric não pretende ser a elite dos países em desenvolvimento, não queremos trocar a aristocracia do G-8 (as oito maiores economia do mundo) por outro tipo de aristocracia - disse o chanceler brasileiro, Celso Amorim.

Em São Paulo, representantes de bancos comerciais se reuniram na sede da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Em nota, a Febraban diz que os participantes "discutiram perspectivas para o cenário pós-crise e o ambiente de negócios".