Título: Brasil e China negociam acordo de comércio com ênfase no agronegócio
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 15/04/2010, Economia, p. 26

CÚPULA EMERGENTE: Barreiras fitossanitárias dificultam entendimento bilateral

Plano prevê ainda parcerias nas áreas de ciência e tecnologia e cultura

BRASÍLIA. Aproveitando a realização da II Cúpula de Chefes de Estado e de Governo dos Brics (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia e China), os governos brasileiro e chinês lançam amanhã um Plano de Ação Conjunta (PAC), que ainda esbarra em divergências sobre a abrangência do programa bilateral, especialmente na área agrícola. A ideia é estimular os negócios entre os dois países em diversas áreas, entre elas agricultura, ciência e tecnologia e cultura. Estão previstas ações para os próximos quatro anos.

Técnicos dos dois países passaram o dia ontem reunidos fechando os detalhes do PAC. Segundo integrantes do governo brasileiro, há uma série de divergências a serem resolvidas, entre elas, barreiras fitossanitárias impostas pela China à entrada de produtos brasileiros em seu mercado. Dependendo do entendimento, "o PAC pode ser mais ou menos aguado", disse um técnico.

Há dois anos, a China tornou-se o principal destino das exportações do agronegócio brasileiro, que somaram US$8,9 bilhões em 2009. Esse total foi equivalente a quase 14% dos embarques agropecuários nacionais. O principal produto exportado foi o complexo soja (US$6,75 bilhões).

Pesquisadores discutem uso de moeda local no comércio

O secretário de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Célio Porto, explicou que a intenção do governo brasileiro com o novo plano é diversificar a pauta exportadora:

- Uma forma de descentralizar as vendas é abrir o mercado chinês para as carnes bovina e suína in natura.

Ontem, institutos de pesquisa dos quatro países também se reuniram para discutir a consolidação do bloco e avanços na área de comércio, como vender e comprar produtos em moeda local. Segundo o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, os Brics são hoje líderes regionais e têm condições de adotar um novo padrão de comércio em que o dólar não seja a moeda utilizada. O Brasil, por exemplo, já faz comércio com a Argentina em moeda local.

- A mudança no padrão de moeda internacional da libra para o dólar levou décadas. Nesse período, foram criadas zonas de moedas fortes, como o marco alemão e o franco. Agora, enquanto se discute um novo padrão internacional, é viável que haja áreas de comércio concentradas em outras moedas - disse Pochmann.

De acordo com o vice-presidente da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Li Yang, os quatro países já estão negociando a adoção desse tipo de medida, mas nada será feito no curto prazo. Ele disse que a China também tem interesse na diversificação de reservas internacionais (que estão concentradas em moeda americana). Os chineses têm reservas de mais de US$2 trilhões.

Li Yang defendeu ainda que os Brics trabalhem em conjunto para defender uma maior participação de suas economias em organismos multilaterais, como Fundo Monetário Internacional. Já o diretor do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Vladimir Davydov, disse que há vontade política e técnica de mudar a atual formatação do sistema financeiro internacional.

Estudo divulgado pelo Ipea durante o encontro afirma que os países dos Brics dobraram sua corrente de comércio entre 1996 e 2008 e ganharam importância no contexto mundial. O comunicado 43 do Ipea, intitulado "Rússia, Índia e China: Comércio Exterior e Investimento Direto Externo", destaca que o Brasil apresenta elevada vantagem comparativa em produtos intensivos, em recursos naturais e primários agropecuários.

Já a Rússia - forte produtora de petróleo - tem competitividade "muito acima dos demais" no comércio de minerais, ainda que o Brasil apresente uma leve tendência e aumento na vantagem desse tipo de bem. A Índia, por sua vez, tem elevada vantagem comparativa em produtos intensivos em trabalho. "Além disso, tem aumentado consistentemente sua competitividade em bens intensivos de recursos naturais."