Título: A Justiça agirá com o máximo rigor
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 18/04/2010, O País, p. 3

Em seu gabinete, o ministro Ricardo Lewandowski exibe, com ar de espanto, a montanha de livros que é obrigado a consultar nos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É uma pilha de leis sobre eleições e partidos, arrematada por um exemplar da Constituição. A partir do dia 22, quando assumir a presidência da Corte, ele vai comandar uma disputa eleitoral que já se mostra acirrada a seis meses da eleição. E anuncia que o TSE será mais rigoroso que de costume ¿ tendência comprovada nas multas impostas ao presidente Lula por fazer campanha antecipada para Dilma Rousseff. Nos julgamentos, Lewandowski discordou das multas, mas admite unir-se à maioria dos colegas nas próximas votações.

Lewandowski é carioca, mas foi criado em São Bernardo do Campo (SP), berço político de Lula. Embora ponderado, criticou as ironias do presidente em relação às multas.

¿ Foi uma manifestação de inconformismo, quem sabe um tanto quanto inadequada.

Ele anunciou que dobrará o número de funcionários do TSE encarregados de analisar as prestações de contas dos candidatos. E avisou que haverá uma ofensiva, em parceria com a PF, para coibir o caixa dois nas campanhas.

O GLOBO: Neste ano, o TSE começou a julgar muito cedo as disputas eleitorais. A política está apelando muito para a Justiça? RICARDO LEWANDOWSKI: De um modo geral, está havendo uma judicialização da política, a meu ver indevida e excessiva. Muitas coisas que poderiam e até deveriam ser resolvidas pelo Congresso acabam desaguando no Judiciário.

Por que o senhor acha que o Congresso não resolve essas questões? LEWANDOWSKI: Parece-me que há um certo gigantismo do Congresso. Há uma pulverização excessiva da opinião pública, que se reflete num grande número de partidos, o que impede a formação de consensos. Com isso, as manifestações do Congresso ou não vêm ou tardam a vir.

Recentemente, o presidente Lula disse que os políticos é que devem comandar o processo eleitoral, não os juízes. O senhor concorda? LEWANDOWSKI: Claro que a Justiça Eleitoral vai agir com o máximo rigor, e estamos preparados para isso. De outra parte, fazendo uma metáfora futebolística, uma bela partida de futebol é aquela na qual o árbitro menos intervém.

Se o árbitro toda hora apita impedimentos e pênaltis, a partida não anda. Quanto menos a Justiça intervier, mais bonita será a eleição.

Nos julgamentos que entenderam haver campanha antecipada por parte de Lula, o placar no TSE foi apertado, e seu grupo foi derrotado. O TSE tem sido muito severo? LEWANDOWSKI: Houve clara inflexão na jurisprudência do TSE. Exigia-se, para a caracterização de campanha antecipada, a menção ao nome do candidato, à campanha e o pedido de voto.

Meu entendimento nessas votações foi neste sentido.

Reparo que o TSE tem endurecido e tem se permitido um subjetivismo maior. O tribunal tem considerado mensagem subliminar, insinuações.

É uma mensagem à classe política? LEWANDOWSKI: O TSE, nos seus julgamentos, exerce um papel pedagógico. Ao endurecer sua jurisprudência, está reagindo a determinados fatos e mandando uma mensagem: ¿Não vamos mais tolerar, não queremos que esses fatos se repitam¿. Os episódios de eventual transgressão diminuíram muito depois da mensagem do TSE.

A pedagogia funcionou para todos os lados.

A composição do TSE vai mudar em breve, com a substituição de três ministros. Pode mudar o rumo das decisões? LEWANDOWSKI: Creio que há uma tendência que está se fixando. À medida que vai se aproximando a campanha, o tribunal tende a ser mais rigoroso, mais severo, para evitar abusos. E eu me filiarei, sem nenhum constrangimento, a essa jurisprudência mais rigorosa.

O que acha da reeleição? LEWANDOWSKI: Na minha avaliação, a reeleição no Brasil não foi uma inovação positiva.

Existe uma tendência de utilização da máquina à serviço da reeleição. No parlamentarismo, é muito comum que partidos fiquem no poder por décadas.

Em países mais avançados, a eleição e a reeleição centram-se em ideias, projetos, programas.

Infelizmente, no Brasil, muitas vezes a reeleição se centra na pessoa de certos candidatos.

Há mais personalismo e menos ideologia.

O TSE fará parceria com a PF para monitorar as ilegalidades financeiras nas campanhas? LEWANDOWSKI: Estamos estudando um acordo com o Ministério da Justiça e a Polícia Federal para combater não apenas o caixa dois, mas a lavagem de dinheiro. Vamos ter à nossa disposição um software, que é utilizado pela PF e pelo Ministério Público Federal, para impedir lavagem de dinheiro, para que o dinheiro sujo não se misture com o dinheiro limpo das campanhas.

Como funciona esse software? LEWANDOWSKI: Ele consegue fazer o rastreamento do dinheiro. Se houver uma verba suspeita, com esse software é possível saber a origem: se veio do exterior, do tráfico de entorpecentes, da criminalidade organizada, do caixa dois das empresas. Esse software é muito sofisticado, usado para investigar crimes do colarinho branco.

Os grandes escândalos estão sendo revelados graças a essa tecnologia. O dinheiro ilícito, que está sendo lavado, pode ser identificado.

E nos casos clássicos de caixa dois, quando o dinheiro não passa por contas? LEWANDOWSKI: Aí há outros instrumentos.

Na Receita Federal, por exemplo, se a pessoa declara no Imposto de Renda uma quantia muito pequena, mas circula com carros importados, é possível descobrir que a renda é incompatível com os sinais de riqueza. Na campanha também.

Nesse caso, quando há uma campanha incompatível com o declarado, é possível comparar.

Qual sua opinião sobre financiamento público de campanha? LEWANDOWSKI: Entendia que deveria prevalecer o financiamento misto, público majoritariamente, mas admitindo-se também o privado. Hoje, no atual quadro político, tendo em conta que grande parte da corrupção se origina no financiamento às campanhas, sou defensor do financiamento público.

Vai coibir caixa dois? LEWANDOWSKI: Não vai desaparecer totalmente, mas pode reduzir muito.

Como o senhor avaliou a reação do presidente Lula em relação às multas? LEWANDOWSKI: Quando alguém perde um litígio na Justiça, é natural certa exteriorização de inconformismo.

De modo geral, qualquer pessoa que ocupe um cargo público deve ser muito contida na exteriorização de suas opiniões pessoais, que podem ser muito mal interpretadas. Quem se sente injustiçado deve recorrer.

Mas o que achou da reação do presidente? LEWANDOWSKI: Considerei uma manifestação de inconformismo, quem sabe um tanto quanto inadequada.

O acesso do eleitor à ficha corrida do candidato ajuda na hora do voto? LEWANDOWSKI: O cidadão tem o direito de conhecer os candidatos e votar naqueles que apresentem os melhores antecedentes. O que podemos é disponibilizar essas informações. O segundo crivo deve ser feito pelos eleitores.

Qual a sua opinião sobre o projeto que impede o ficha suja de concorrer? LEWANDOWSKI: É polêmico. A intenção é boa para moralização do ambiente político, mas já há posição do STF sobre a questão. (Para o STF, não se pode impedir o registro de candidato que não tenha sido condenado de forma definitiva.)