Título: No rastro do caixa dois
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 18/04/2010, O País, p. 3

TSE e PF mapeiam atuação do tráfico de drogas e da máfia de caça-níqueis na política

Na tentativa de combater o caixa dois e outros tipos de financiamentos ilegais de campanhas eleitorais, a Justiça Eleitoral e a Polícia Federal vão fazer monitoramento sobre a movimentação financeira de segmentos suspeitos de despejar ou lavar dinheiro no patrocínio de candidatos nas eleições deste ano. A polícia planeja investigar especialmente as articulações da máfia dos caçaníqueis e dos bingos, nas eleições no Rio de Janeiro e em São Paulo. Autoridades federais estão preocupadas também com a crescente desenvoltura no processo eleitoral de grupos supostamente ligados ao narcotráfico.

As investigações deverão começar formalmente nas próximas semanas. Mas os fiscais já estão sendo abastecidos com dados sobre a movimentação de alguns setores. O que mais chamou a atenção dos investigadores foi a discreta, porém efetiva, articulação da máfia de caça-níqueis em busca de aliados políticos. O movimento em favor dos jogos de azar ressurgiu com força nos últimos meses. Em geral, candidatos não declaram recebimento de grupos de jogos.

¿ Ficamos sabendo que (as máfias de caçaníqueis) estariam oferecendo dinheiro para quem se dispuser a ajudar na legalização do jogo.

A movimentação que ocorreu recentemente no Congresso para legalizar os caça-níqueis não foi uma coisa à toa ¿ disse uma autoridade encarregada de acompanhar o processo eleitoral.

Rigor com gráficas e empresas de informática

O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, está à frente das negociações com o próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, para ampliar a parceria da Polícia Federal com a Justiça Federal neste ano.

¿ Estamos buscando uma aproximação do Ministério da Justiça com a Justiça Eleitoral para prevenção e contenção de crimes, que vão de caixa dois ao crime organizado financiando campanhas eleitorais ¿ disse o ministro.

A partir de um levantamento prévio de técnicos e policiais, as autoridades definiram que também é necessário alerta máximo para a movimentação de gráficas e empresas de informática.

Estes foram dois dos segmentos mais usados nas últimas eleições para lavagem de dinheiro de caixa dois. A explicação é simples: são dois setores em que seria fácil esquentar dinheiro de origem ilegal.

Como exemplo, uma autoridade cita um caso hipotético. Um político oferece R$ 50 mil para uma gráfica emitir determinada quantidade de cartazes e panfletos, mas abre mão do serviço em troca de nota fiscal de R$ 500 mil. A partir da transação, o candidato fica com R$ 450 mil livres para fazer o que quiser.

Ou seja, pode comprar votos, bancar outros candidatos, ou mesmo usar o dinheiro para enriquecimento pessoal, como aconteceu na crise do mensalão em Brasília, que derrubou o ex-governador José Roberto Arruda.

¿ Não existe meia ética. Quem faz caixa dois acaba misturando o dinheiro de campanha com patrimônio pessoal. E o empresário que financia caixa dois não faz isso a fundo perdido. Ele quer reembolso depois em contratos com o governo.

Quando o eleitor vai às urnas, será que ele está disposto a pagar por esse preço que ele nem sabe qual é? ¿ questiona Barreto.

A Justiça Federal vai monitorar também as movimentações de uma das facções criminosas que aterrorizaram presídios em São Paulo nos últimos anos. Chefes da organização, que tem como um de seus negócios o narcotráfico, estariam se articulando para tentar eleger alguns candidatos. Os rastreamentos terão como base um dos laboratórios de análises financeiras da Secretaria Nacional de Justiça.

Técnicos da secretaria já estão até ministrando cursos para funcionários da Justiça Eleitoral sobre o uso da ferramenta.

A partir do laboratório, com um programa voltado para o cruzamento de dados pessoais, bancários, fiscais e criminais, os técnicos teriam condições de identificar a origem de uma doação apenas com os dados registrados pelo candidato na Justiça Eleitoral. Estão sob a mira dos fiscais eleitorais também algumas madeireiras, empreiteiras e empresas interessadas na exploração de minério. As ações deverão ser ampliadas a partir da conclusão do mapa que a PF está fazendo sobre o histórico dos crimes eleitorais.

A PF recorreu à ajuda da Universidade de Brasília para preparar o mapa.

A ideia é se antecipar para impedir a prática de crimes que afetem a livre escolha dos eleitores. Lei aprovada ano passado prevê a prescrição do crime de caixa dois 15 dias após a diplomação. Ou seja, a Justiça Eleitoral tem prazo considerado extremamente curto para agir. Depois da diplomação, os candidatos ganham privilégios especiais que, em muitos casos, inviabilizam qualquer sanção antes do fim de seus mandatos.