Título: Energia com data de validade
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 18/04/2010, Economia, p. 25

Belo Monte pode sair do papel, mas potencial hídrico do país se esgotaria em 15 anos

A polêmica em torno da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, demonstra que o país dependerá cada vez mais da energia que pode ser explorada nos rios da Amazônia. Além do leilão desta semana, o governo planeja conceder mais cinco usinas na região ainda neste ano. A segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2) prevê um mapeamento para descobrir o potencial de 12 novas bacias: 11 em áreas da floresta. Mas, mesmo muito grande, o potencial tem prazo para acabar. Segundo especialistas, isso pode ocorrer em 15 ou 20 anos, devido ao forte crescimento do país, que deve fazer explodir o consumo de energia. E, afirmam eles, o país ainda não está buscando diversificar sua matriz energética com eficiência.

De acordo com o Secretário de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura Filho, o consumo de energia até 2030 será multiplicado por 2,5 e a atual capacidade instalada das hidrelétricas, de cerca de 80 mil MW, deve chegar a 180 mil MW até 2030. Este forte crescimento vai praticamente esgotar a capacidade dos rios ¿ ao menos com as atuais tecnologias e com o atual nível de debate ambiental: ¿ O potencial total dos rios do país é de 260 mil MW, mas sabemos que explorar tudo não é factível.

Cerca de 70% do potencial não explorado está na Região Amazônica, onde as construções têm de obedecer a uma série de quesitos.

Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), confirma a limitação por questões ambientais.

¿ Estimamos que o potencial hídrico brasileiro explorável estará em uso até 2025 ou 2030 ¿ diz, lembrando que, das cinco hidrelétricas possíveis para o Rio Xingu, o governo pretende apenas tirar Belo Monte do papel. Não será construída nenhuma hidrelétrica no médio Araguaia.

¿ Estas usinas tendem a ser mais caras e gerar menos energia que em outras regiões do país. Além de serem a fio d¿água, o que não requer grandes reservatórios mas gera menos eletricidade, os projetos são mais adequados às questões ambientais. Em Belo Monte, por conta das questões indígenas, tivemos que colocar no projeto a construção de um canal, que vai encarecer a obra e reduzir a geração de energia em 7,5% ¿ explica.

Tecnologias novas sem espaço hoje

Segundo Tolmasquim, a situação energética do país está resolvida, com folga, até 2015. E projetos para depois disso começam a ser pensados: ¿ Ainda neste ano vamos licitar cinco usinas no Rio Teles Pires.

Ele afirma que, no cenário de médio e longo prazo, haverá mais espaço para energias de fontes alternativas, como eólica e biomassa, até para complementar a geração hidrelétrica: ¿ Venta mais e há mais geração de biomassa justamente nos momentos em que chove menos, há um complementariedade interessante ¿ disse, lembrando que o espaço para a eficiência energética e para a nuclear também tendem a aumentar.

O governo planeja concluir Angra 3 e mais quatro centrais até 2025, mas elas podem se multiplicar a médio prazo. Por outro lado, o PAC-2 prevê investimentos de R$ 113,7 bilhões para a geração de eletricidade entre 2011 e 2014, porém apenas R$ 1 bilhão para combustíveis renováveis e R$ 1,1 bilhão para eficiência energética.

Luiz Pinguelli Rosa, diretor da CoppeUFRJ, acredita, entretanto, que, apesar de ser correta esta exploração do potencial energético da Amazônia, o país não pode prescindir de investir em novas tecnologias: ¿ É claro que o potencial da Amazônia tem que ser explorado, lá não é um jardim, é uma região onde vivem pessoas, mas com responsabilidade e compensações. Belo Monte, por exemplo, terá menos impacto que as usinas do Rio Madeira. Mas este potencial é finito, e o crescimento do consumo tende a acelerar. Para isso, o governo deveria estar incentivando a pesquisa e o uso de novas tecnologias, o que não está ocorrendo de forma satisfatória.

Ele cita como exemplo o trabalho que a Coppe faz para extrair energia das ondas do mar. Bem desenvolvida, a tecnologia poderia ser exportada para países que, certamente, terão de reduzir no futuro a geração elétrica por queima de combustíveis fósseis.

O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, concorda com o aumento das pesquisas, mas não só em energias alternativas: ¿ Nossas usinas atuais são muito mais ecológicas que as do passado e há projetos interessantes, como a usina plataforma, que prevê a construção cirúrgica, sem estradas abertas, para diminuir o impacto das usina.

Raul Telles do Valle, coordenador adjunto da ONG Instituto Socioambiental (ISA), entretanto, acredita que o ideal é repensar o consumo. Ele lembra que o Brasil possui muitas empresas eletrointensivas, como a siderúrgica, que geram poucos empregos e gastam muita eletricidade. Ele acredita, por exemplo, que usinas nucleares seguras podem ser melhores opções que hidrelétricas, que, mesmo sem grandes reservatórios, afetam rios fundamentais para a região, que possuem grandes peixes migratórios: ¿ É muito fácil defender uma hidrelétrica que afeta o meio ambiente e a população do Norte, mas quero ver quem aceita novas usinas nucleares próximas de cidades de São Paulo e Rio. Os grandes rios da Amazônia, como Xingu, Tapajós e Negro, não poderiam ter hidrelétricas ¿ disse.

BELO MONTE SERÁ MODELO PARA NOVAS HIDRELÉTRICAS NA REGIÃO AMAZÔNICA, na página 26