Título: Sou contra a visão de que a Amazônia é um santuário
Autor: Paul, Gustavo; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 18/04/2010, Economia, p. 26

SÃO PAULO. A arquiteta e urbanista Ana Júlia Carepa, 53 anos, governadora do Pará, é, talvez depois do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a maior defensora da construção da polêmica Usina de Belo Monte. Tanto que, em seu blog, reproduziu uma declaração de Lula na capital paulista na semana passada: ¿O crescimento do país não pode mais ser detido¿. O mesmo ela acha da construção da usina. A governadora faz de Belo Monte a grande bandeira desenvolvimentista e antipobreza de seu governo. Com uma crise alérgica que a obrigava a aplicar um spray de descongestionante nasal a cada minuto e em frente a uma caixinha de comprimidos, a governadora recebeu o GLOBO na semana passada para rebater seus críticos, que ela chama de ¿adeptos da paralisia do país¿.

Gilberto Scofield Jr.

O GLOBO: Qual é a importância de Belo Monte, a ponto de os governos federal e do Pará insistirem no leilão, mesmo diante de dúvidas ambientais, econômicas e políticas? ANA JÚLIA CAREPA: De que forma entendemos que deveríamos fazer Belo Monte? Primeiro, aprender com os erros. Tucuruí, no meu entendimento, foi feita de forma errada, sem o mesmo cuidado. O formato de Belo Monte é completamente diferente, pois os impactos socioambientais estão resolvidos no edital do leilão e são de responsabilidade do grupo vencedor. Não vamos ter uma usina construída e, só depois, vamos pensar em fazer umas obrinhas para resolver os problemas, como em Tucuruí. Vamos construir a usina e melhorar a infraestrutura local, minimizando o impacto da remoção das 12 mil famílias.

Mas existem dúvidas de todos os tipos.

ANA: O governo do estado do Pará entende que é fundamental para que nós possamos atrair investimentos ter energia elétrica abundante e limpa. Por exemplo, nós conseguimos incluir no leilão que pelo menos 20% da energia possam ir para os autoprodutores, aquelas empresas que precisam de grande volume de energia elétrica para transformar a nossa riqueza em emprego e renda. Porque hoje a minha bauxita está indo para outros lugares do Brasil e do mundo para ser transformada em alumina e alumínio. Eu quero que ela seja transformada no Pará e com energia limpa, não de termelétrica poluidora.

Nós vamos precisar de energia para transformar a nossa produção agrícola.

Diz-se que o Rio Xingu vai ter uma vazão mínima de água por cem quilômetros quadrados, além de uma inundação de 516 quilômetros quadrados, tudo numa região com 16 etnias indígenas, 12 mil famílias ribeirinhas e florestas diversas.

ANA: Não existe nenhum empreendimento no mundo ou forma de produção livre de impactos.

Nossa preocupação é mitigar, compensar e não deixar que o projeto destrua ou cause problemas para as pessoas. A navegabilidade do Xingu está garantida com as eclusas. A hidrovia vai tornar os produtos que usam este escoadouro pelo menos 15% mais baratos. Isso nos dá vantagens competitivas.

O seu governo pensou em alternativas a Belo Monte, como os centros de energia eólica, solar ou biomassa? ANA: Cabe ao Ministério das Minas e Energia pensar nisso. A hidrelétrica é uma opção barata, porque gera um volume enorme de energia por dezenas de anos, e não temos como gerar esses 11 mil MW em energia eólica ou biomassa. Isso não está disponível agora. As pessoas não podem ter uma visão romântica. O mundo todo está gastando muita energia, muito mais que nós. Ninguém abre mão de seu chuveiro elétrico, de uma TV em cada quarto, de cerca elétrica, de celulares. Mas querem que o povo viva sem energia e no candeeiro.

O que a senhora pensa de o diretor James Cameron se mobilizar para impedir o leilão? Por que isso virou um caso de celebridades de Hollywood? ANA: Tem gente que ideologicamente é contra.

Esse pessoal vem de fora para dar opinião sobre o que não conhece. Como conhecedor de Amazônia, James Cameron é um ótimo cineasta e diretor de filme de ficção científica. Tem gente que acha que tudo tem que ser intocável na Amazônia. Possuem uma visão de santuário. Eu sou contra essa visão de mundo porque a Amazônia tem 25 milhões de brasileiros que têm direito de viver com qualidade de vida.