Título: Juiz que libertou pedófilo defende sua decisão
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 17/04/2010, O País, p. 4

"Não posso mexer na lei. Mesmo sabendo que há risco de reincidência (do criminoso), não posso deixar de cumprir a lei"

BRASÍLIA. O juiz Luís Carlos de Miranda, da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal, defendeu ontem, pela primeira vez, sua decisão, de dezembro passado, de conceder liberdade ao pedreiro Adimar Jesus da Silva ¿ que estava preso por crimes sexuais contra duas crianças.

Após ser libertado, Adimar molestou e assassinou seis jovens de Luziânia, cidade goiana próxima a Brasília. Miranda, que não permitiu ser fotografado, considerou os novos crimes uma tragédia, mas disse que a culpa não foi dele, e sim do réu.

O juiz explicou que apenas seguiu a legislação, que permite o cumprimento da pena em regime aberto até mesmo para detentos perigosos.

¿ Não posso mexer na lei.

Mesmo sabendo que há risco de reincidência (do criminoso), não posso deixar de cumprir a lei ¿ disse. ¿ Tenho minhas ideias de como deveriam ser a leis, mas sou pago para aplicá-las.

Juiz critica lei que permitiu benefício para crime hediondo O juiz criticou a legislação e disse que ela permitirá a repetição do mesmo episódio se Adimar for novamente condenado: ¿ A legislação é falha, sim.

Se ele fosse preso hoje, provavelmente estaria solto em cinco anos, porque a Constituição não proíbe concessão de benefícios externos para casos de periculosidade. Além disso, a periculosidade não é indicativo para manter os condenados presos além dos prazos.

Miranda criticou a lei de 2007 que permitiu a progressão de regime para crimes hediondos: ¿ Não é agradável para ninguém assinar esse tipo de decisão.

É triste ter que assinar esse tipo de decisão. Por conta dessa lei, muitos criminosos sexuais sairão da prisão.

O juiz é adepto da tese de que não há recuperação para pedófilos no sistema prisional.

Para Miranda, a única forma eficaz de impedir Adimar de cometer novos crimes sexuais seria a prisão perpétua ¿ punição proibida pela Constituição: ¿ Nesse caso, só a prisão perpétua resolveria.

Segundo Miranda, o réu já tinha direito à progressão de regime, pois havia cumprido mais de um sexto da pena de dez anos e dez meses à qual foi condenado.

Ele informou que laudos psicológicos e psiquiátricos atestaram que Adimar era uma pessoa polida, de pensamento coerente, demonstrava crítica a seus atos, não tinha doença mental, não precisava tomar remédios controlados e tinha bom comportamento na prisão.

O juiz também lamentou a falta de um sistema nacional de mandados de prisão. Como havia ordem de prisão contra Adimar na Bahia, em tese, ele não poderia ter sido solto.

Miranda afirma não ter se arrependido de despacho Miranda diz que, como juiz, não se arrepende do despacho.

Mas, como cidadão, ficou muito triste com os acontecimentos.

Ele considerou natural a revolta e a dor dos parentes da vítima.

¿Tenho filho. Imagine a situação de uma mãe ver o filho sair e não voltar? Isso abala qualquer um. Não tem como não se comover com as famílias. O sofrimento é esperado. Isso tem que ser respeitado ¿ disse. ¿ Quando vi a notícia no jornal, quis ver quem tinha dado a decisão. Infelizmente, fui eu. A única coisa que posso fazer é rezar para dar consolo a essas famílias.

O juiz defendeu-se das acusações feitas por magistrados, parlamentares e cidadãos de que ele havia sido irresponsável ao soltar Adimar: ¿ Qualquer juiz que tivesse recebido esse processo teria decidido da mesma forma. Não admito que autoridades que deveriam se portar com equidistância venham denegrir minha imagem e falar do que não sabem.

Os laudos (médicos) não dizem que ele deveria ficar preso.

Miranda ressaltou a dificuldade operacional do sistema prisional, que conta apenas com nove psicólogos e dois psiquiatras responsáveis pelos 8.640 presos do Distrito Federal: ¿ Dentro da Justiça, tudo o que poderia ser feito foi. Não há erro judiciário. O sistema é que falhou ¿ disse.