Título: É preciso impedir os fichas-sujas
Autor: Schuch, Lauro
Fonte: O Globo, 20/04/2010, Opinião, p. 7

Novas eleições se aproximam e temas relevantes para o adequado regramento do processo eleitoral ainda não mereceram do Congresso a devida atenção, sobretudo no tocante ao clamor público pelo banimento de candidatos que afrontam o senso ético comum ¿ os chamados fichas-sujas.

Nas eleições passadas, o torpor legislativo levou o TSE a discutir o assunto através de um projeto de resolução, rejeitado por estreita maioria, prevalecendo o entendimento de não ser possível transpor os limites balizados pela Lei Complementar n o64/90 (Lei das Inelegibilidades).

Segundo essa lei, somente após o trânsito em julgado da decisão condenatória, perderia o aspirante a cargo eletivo a condição para participar da eleição.

Sensível ao inconformismo geral, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) ingressou no STF com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), sustentando que candidatos com antecedentes criminais não atendiam ao princípio constitucional da moralidade para o desempenho de cargo público e, portanto, eram inelegíveis.

Em seu pronunciamento, de efeito vinculante ao lume da lei no9.882/99, o STF afirmou que o princípio da moralidade não poderia se sobrepor ao da presunção de inocência.

O STF não cedeu ao clamor e às pressões de vários setores da sociedade, afirmando que o estado de direito se sustenta no império das leis e supremacia da Constituição.

Ninguém de sã consciência pode admitir que pessoas desonestas, corruptas ou envolvidas com o crime possam exercer mandatos eletivos.

Se as leis já não refletem o senso coletivo de moral e afrontam o interesse público, que sejam revistas.

Tramita no Congresso, a passos de cágado, o projeto de iniciativa popular (no516/09) objetivando a reforma da legislação, para obstar as candidatura dos fichas-sujas, modificando-se o sistema atual. No entanto, apresenta esse projeto medida exacerbada e desproporcional que merece reflexão e ajuste, sob pena de estagnar o necessário avanço que a revisão do sistema de inelegibilidades pode propiciar, ante as críticas, também exacerbadas.

Propõe o projeto que fique inelegível quem tiver contra si condenação em primeira instância, ou apenas denúncia formulada pelo Ministério Público. Em espasmo legalista, os que querem que tudo fique como está sustentam que somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória é possível, pela culpa afirmada, impedir o condenado de exercer um direito político. Nem uma coisa nem outra, e o caminho do meio é a direção do razoável.

Certamente a simples denúncia e, até mesmo, a condenação em primeira instância, não oferecem a necessária segurança para alijamento da disputa e cerceamento do exercício de um direito político. A proporção do equilíbrio, sem dúvida, está em considerar como causa de inelegibilidade a decisão condenatória advinda de decisão colegiada de tribunal, em grau de recurso ou nos casos de competência originária, mesmo que passível de outros recursos e independentemente do trânsito em julgado.

Até que a Lei seja modificada, infelizmente não a tempo de vigorar nas próximas eleições, cabe aos partidos políticos cumprir o relevante papel de filtragem dos candidatos sob suas legendas, bem como, à Justiça Eleitoral, oferecer aos eleitores informações sobre suas trajetórias e antecedentes. Porém, se nada disso acontecer, a palavra final ainda é do soberano ¿ o povo, a quem caberá escolher entre o convívio com os corruptos e seus crimes ou a limpeza ética da política no país.