Título: Mercado: valor da tarifa não paga custo da obra
Autor: D¿Ercole, Ronaldo; Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 21/04/2010, Economia, p. 24

Analista diz que conta de Belo Monte acabará sendo bancada por acionistas da Eletrobras e pelos contribuintes

Ronaldo D¿Ercole, Lino Rodrigues e Henrique Gomes Batista

SÃO PAULO e RIO. Os especialistas do mercado de energia fizeram as contas e concordam: os R$ 78 oferecidos pelo consórcio vencedor do leilão de Belo Monte não remunera os custos da construção da usina do Rio Xingu, cujo custo estimado pelo governo, de R$ 20 bilhões, já é visto como subavaliado. Para Ricardo Corrêa, analista de energia da corretora Ativa, o maior problema é que essa conta acabará no colo dos acionistas da Eletrobras e, por tabela, no bolso dos contribuintes.

¿ Com o preço da energia a R$ 77,97 o megawatt/hora (MW/h), a Eletrobras entrou num projeto cujo retorno é inferior ao custo do capital a ser investido. Ou seja, é um projeto destruidor de valor para a Eletrobras ¿ disse.

Para Silvio Areco, da consultoria Andrade & Canellas, se com a tarifa-teto de R$ 83 a remuneração já era ¿apertada¿, com os R$ 78 será praticamente impossível fechar a conta. Por isso, Areco dá como certa a ¿troca de sócios¿ do consórcio vencedor mais adiante, com a entrada dos fundos de pensão estatais via aquisição de participação das empresas privadas que formaram o bloco vencedor do leilão de ontem na Aneel.

¿ Se os fundos realmente comprarem as posições dos outros participantes, veremos a federalização do negócio. E a conta vai acabar no nosso bolso.

Não sei se no bolso direito, ou esquerdo ¿ disse o consultor

Troca de sócios, no papel, só em setembro

O advogado do consórcio vencedor Adelmo Emerenciano, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados ¿ Advogados, confirma que o grupo já negocia a entrada de novos sócios ao consórcio, principalmente fundos de pensão. Esta solução poderia melhorar a capitalização do grupo, entretanto, só será efetivado após o recebimento da outorga.

¿ O edital permite que entrem novos sócios estratégicos no consórcio, mas isso só pode ocorrer depois de formada a sociedade de propósito específico (SPE) da usina ¿ disse ele.

O presidente da Comissão de Direito Administrativo da seccional paulista da OAB, Adib Kaffouf Sad, afirma que o governo e a agência reguladora do setor terão de fiscalizar muito bem para saber se a obra é exequível. Segundo ele, um preço muito baixo pode trazer muitos prejuízos e, em última análise, se o consórcio apresentou uma proposta dessas, poderá receber advertência, multas e até chegar à suspensão do contato de concessão.

¿O consórcio tem que provar que esta redução no preço, de R$ 83 para cerca de R$ 78, é suportável ¿afirmou.

Ricardo Baitelo, coordenador da Câmara de Energia Renovável do Greenpeace Brasil, também acredita que o consórcio poderá ter problemas durante a construção da usina: ¿ Isso seria muito ruim, pois as compensações ambientais podem ser sacrificadas e porque há o risco de a obra ser abandonada no meio, com danos ao meio ambiente ¿ disse.

Fiesp acredita que valor da tarifa é viável

Entretanto Carlos Cavalcanti, diretor do Departamento de Energia da Fiesp, comemorou o resultado. Segundo ele, o leilão marca a retomada da construção de grandes hidrelétricas, em um movimento que tende a se intensificar nos próximos anos: ¿ E acredito que o preço é viável, está muito próximo da valor do MW/h das usinas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira. Temos que lembrar que o preço do MW/hora de Itaipu está sendo comercializado a US$ 45 ¿ disse.