Título: O outro lado de Brasília
Autor:
Fonte: O Globo, 21/04/2010, Opinião, p. 6

Não é um momento brilhante o do 50oaniversário de Brasília. Embora não seja suficiente para ofuscar a programação festiva, o escândalo de corrupção ¿ com farto registro audiovisual ¿ do mensalão do DEM, patrocinado pelo ex-governador José Roberto Arruda e grupo, soa como uma nota dissonante na comemoração do meio século de existência da cidade. Mas nada que a ofusque como um conjunto arquitetônico e urbanístico típico de um Brasil que transpirava inventividade e esperança no futuro, marcas eternizadas de forma brilhante na obra de Oscar Niemeyer e Lucio Costa.

A História não é feita apenas de brados retumbantes, de grandes decisões. Ela também é tecida pelo fio do acaso. Existiria Brasília se o candidato a presidente Juscelino Kubitschek não fizesse um comício, em 4 de abril de 1955, em Jataí, Goiás? Ali, depois dos discursos, JK se colocou à disposição para ouvir perguntas de eleitores. Foi quando Antônio Soares Neto, o Toniquinho, quis saber se o candidato cumpriria o dispositivo da Constituição (de 1946) que previa a mudança da capital para o ¿Planalto Central¿. JK assumiu na hora o compromisso, como desejava a plateia. E cumpriu a promessa.

Foi alto o custo para a nação.

O transporte por avião de equipamentos, material de construção, trabalhadores, tudo o necessário para se erguer uma cidade do nada, podia ser comparado a um projeto de faraós ¿ os verdadeiros, os egípcios.

O estilo JK de ¿tocador de obras¿ gerava o efeito colateral de semear desequilíbrios no Tesouro com a mesma voracidade com que seu governo abria estradas. Analistas costumam identificar na era desenvolvimentista de Juscelino a origem da inflação que, na primeira metade da década de 60, iria tornar ainda mais ácida a crise institucional no governo João Goulart, cujo desfecho seria o apagão democrático de 21 anos, a partir de março de 1964.

Outro custo da mudança da capital foi o esvaziamento da Guanabara, agravado pela fusão arbitrária com o Estado do Rio, executada de cima para baixo pelo regime militar. Não houve o cuidado que os alemães tiveram quando transferiram a capital de Bonn de volta para Berlim, com a queda do Muro, e chegaram a manter alguns ministérios na sede anterior do governo.

Na lista dos aspectos positivos do projeto de Brasília é preciso destacar a libertação do país do enorme poder de atração do litoral.

Com a nova cidade, o Brasil afinal se voltou para seu interior, e a fronteira agrícola pôde se mover em direção ao Centro-Oeste e ao Norte.

Há mazelas consideradas apenas brasilienses, mas que devem ser assumidas como de responsabilidade de todo o eleitorado. O populismo é uma delas, também presente em outras regiões ¿ embora a demagogia tenha atingido os píncaros na política local do DF.

É fato que a distância das autoridades e dos políticos do Brasil real não ajuda ¿ JK, o último presidente a trabalhar no Catete, ouvia do seu gabinete literalmente o barulho das ruas. Brasília, é fato, devido a essa distância do resto do país, se torna presa fácil de grupos organizados, corporações sindicais com raio de ação para gerar, com políticos aliados, despesas a serem pagas pelo contribuinte brasileiro. Mas a maior ou menor facilidade com que os cercos ao Tesouro são feitos tem muito a ver com as escolhas do eleitorado de todo o país. Esta conta não pode ser integralmente cobrada de Brasília.

Não faz bem a distância que têm o presidente e autoridades do Brasil real