Título: R$ 1 bi em remédios no lixo
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 25/04/2010, O País, p. 3

Falhas na compra e no armazenamento levam a desperdício de medicamento no país BRASÍLIA

Os governos federal, estaduais e municipais desperdiçam todo ano cerca de R$ 1 bilhão com medicamentos. A estimativa é do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que calcula que em, média, 20% dos remédios comprados no varejo pelo poder público e pelos hospitais privados são desperdiçados anualmente. Isso acontece, segundo o conselho, por falhas na aquisição e no armazenamento dos remédios e por problemas na gestão dos produtos.

Os consumidores contribuem com o desperdício. O Conselho avalia que, por ano, uma família de classe média com quatro pessoas joga fora em torno de R$ 60 em medicamentos vencidos.

Outros problemas relacionados à ineficiência da gestão farmacêutica são o alto índice de intoxicação, o uso irracional de medicamentos e a não adesão de pacientes aos tratamentos.

Em 2007, 30,3% dos casos de intoxicação registrados no Brasil foram causados por uso inadequado de remédios, como superdosagem e automedicação.

Naquele ano, segundo dados da Fiocruz, 34.068 pessoas apresentaram intoxicação medicamentosa.

Embora os dados tomem como base números de 2005 a 2007, o conselho acredita que eles se mantêm neste patamar nos dias atuais. O problema levou o CFF a encaminhar, no fim do ano passado, uma proposta ao Ministério da Saúde para que o governo organize melhor a assistência farmacêutica. O projeto prevê a implantação de farmácias públicas em todos os municípios ou postos de medicamentos emergenciais para cidades com menos de 15 mil habitantes.

Nesses locais, farmacêuticos fariam a gerência dos remédios para dar armazenamento adequado e evitar descarte desnecessário de medicamentos vencidos ou estragados.

Os profissionais orientariam os pacientes sobre ingestão e tratamento.

A compra de medicamentos pela União tem crescido nos últimos anos.

Em 2002, o Ministério da Saúde gastava R$ 1,9 bilhão com essas compras (5,8% do orçamento da pasta). No ano passado, a compra de remédios e vacinas chegou a R$ 6,4 bilhões, 10,9% do orçamento da pasta.

A União repassa anualmente, para a compra de medicamentos por estados e municípios, R$ 5,10 por habitante.

Somando a contrapartida dos estados e das cidades, o total anual por habitante chega a R$ 8,42. Um exemplo de boa gestão dos recursos vem de Bandeirantes, cidade de 30 mil habitantes no Paraná onde foi implantando um sistema digitalizado de controle dos estoques. Com uma farmácia de manipulação municipal, a prefeitura reduziu os gastos por habitante a R$ 4 por ano, uma economia de R$ 270 mil no período. A economia permitiu que a cidade incorporasse novos medicamentos em seu cardápio, ampliando a cobertura de atendimento.

¿ O farmacêutico atua desde a minimização dos custos à seleção de medicamentos, o que garante mais compra, melhor armazenamento e distribuição.

Toda essa atividade faz com que se compre com melhor qualidade, preço e sem desperdícios ¿ conta Thaís Regina Ranucci, farmacêutica de Bandeirantes.

Outra cidade que melhorou a administração dos remédios da rede pública foi Maracanaú, no Ceará.

Desde 2005, o município ampliou o número de farmacêuticos, afinou o monitoramento dos estoques e economizou, no primeiro ano da mudança, cerca de R$ 250 mil, segundo o gerente da assistência farmacêutica da cidade, Pablo Stefan Pires da Silva.

No extremo oposto estão os municípios que somam prejuízos para os cofres públicos e a saúde da população, que deixa de receber o remédio por incompetência do gestor. Em 2008, a Controladoria Geral da União (CGU) identificou 16 cidades que incineraram medicamentos vencidos. A maioria consta da lista dos reprovados na fiscalização dos locais de armazenamento.

A CGU encontrou prefeituras que guardavam remédios em locais onde a temperatura era muito alta e o produto estava exposto à umidade e ao contato com animais.

Em Amontada, no Ceará, havia medicamentos vencidos há mais de oito meses. A CGU identificou o vencimento de 135.064 comprimidos de medicamentos como Eritromicina; 22.837 frascos de Fenobarbital e Salbutamol; 9.570 unidades de remédios como a Furosemida; e 2.072 caixas de Levonegestrel, um tipo de anticoncepcional.

O Ministério da Saúde informou que, embora a maior parte dos recursos para aquisição de medicamentos distribuídos gratuitamente pelo SUS parta de seus bolsos, não é possível controlar se os produtos chegam aos pacientes. Segundo o ministério, o governo federal monitora somente a execução do dinheiro encaminhado para que estados e cidades comprem os remédios.

A União compra somente medicamentos estratégicos, para doenças como Aids, hepatite e tuberculose.

Embora o ministério tenha estoques desses remédios, não soube informar quanto é desperdiçado. Em 2005, no entanto, 69 lotes de 18 tipos de medicamentos estavam com a validade vencida, resultando num prejuízo de mais de R$ 16 milhões aos cofres públicos.

Na ocasião, o ministério explicou que a maior parte das aquisições tinha sido feita pelo governo anterior.