Título: Brasiguaios na linha de fogo da guerrilha
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 27/04/2010, O mundo, p. 25

Paraguai envia mil militares a 5 províncias em estado de exceção para combater grupo pró-Farc

ASSUNÇÃO e SÃO PAULO

Sob fortes temores de desrespeito aos direitos humanos e uma enxurrada de críticas dentro e fora do governo, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, enviou ontem mil policiais e militares num plano de emergência para sufocar as atividades da guerrilha Exército do Povo Paraguaio (EPP), ligada às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A medida foi anunciada após o decreto de um estado de exceção em cinco departamentos (estados) do norte do país ¿ inclusive em áreas próximas à fronteira com o Brasil ¿, levando medo aos cerca de 300 mil brasileiros que vivem na região, os chamados brasiguaios, responsáveis por 80% da economia local com o cultivo e exportação de grãos. ¿ Aqui, os brasileiros são imigrantes estrangeiros e com uma situação econômica muito boa, então é normal que tentem nos prejudicar. Provavelmente, os brasileiros serão vítimas desses guerrilheiros ¿ disse a advogada Vilma Dias de Oliveira. ¿ Não sabemos o poder de fogo real deles ¿ diz ela, que vive há 30 anos em Ernandaria, na região da fronteira com o Brasil.

EPP faz sequestros extorsivos

Morador de Santa Rosa de Araguari, em San Pedro, Valídio Eschenberger planeja aumentar a segurança particular em torno de sua propriedade de 150 hectares para se proteger: ¿ Por enquanto, ninguém mexeu com a gente, mas eles (do EPP) parecem muito perigosos. Estamos trabalhando tranquilamente, mas já nos reunimos (com outros brasiguaios) para aumentar nossa segurança. A crise começou na semana passada, quando o EPP assassinou três civis e um policial num assalto à fazenda Santa Adélia, em Concepción, a 420 km de Assunção, numa provável tentativa de roubar gado. O grupo armado se autoproclama marxista-leninista e acusa o presidente Fernando Lugo de representar a oligarquia sem se importar com a necessidade de uma reforma agrária no Paraguai. Em dois anos, a milícia sequestrou dois fazendeiros e cobrou US$ 700 mil de resgate. Analistas acreditam que seus cerca de 100 integrantes agem mais pela delinquência do que pela ideologia, mas documentos comprovando sua ligação com as Farc ¿ de onde teriam recebido armamento pesado e treinamento militar ¿ colocaram o governo de Assunção em estado de alerta. Com o envio de tropas à região, o governo espera capturar, pelo menos, 25 guerrilheiros. Mas, aumentando o clima de tensão, ontem, duas organizações camponesas e uma das principais centrais sindicais do país anunciaram que não respeitarão o estado de exceção. Previsto para durar 30 dias, o estado de exceção foi decretado nos departamentos de Amambay, San Pedro, Alto Paraguai, Presidente Hayes e Concepción, onde se concentra toda a produção de maconha do Paraguai. O decreto suspende todas as garantias constitucionais nas cinco províncias e permite ao Exército promover detenções e transferências sem a necessidade de ordem judicial ¿ o que despertou a ira de grupos de defesa dos direitos humanos. ¿ Peço respeito aos direitos de trabalhadores humildes. Muitos conhecem detalhes do EPP, mas não denunciam por medo ¿ advertiu o prefeito de Horqueta, Jorge Centurión. O episódio deixou ainda mais exposta a crise interna do governo paraguaio. Ontem, o vice-presidente Federico Franco ¿ líder do partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) , maior aliado da coalizão ¿ desafiou Lugo, afirmando que seu interesse não era combater o EPP. Diante das insinuações, o vice-presidente foi obrigado a prestar esclarecimentos ao Congresso. ¿ Jurei sobre a Bíblia respeitar a Constituição e as leis. Esse compromisso com o povo me obriga a ser prudente. Por isso, a postura crítica. Sempre disse que os membros do EPP são criminosos ¿ recuou Franco. No que pode ser a primeira retaliação do EPP, ontem à noite, o senador liberal Robert Acevedo, um dos políticos que denunciaram o tráfico de drogas no norte do Paraguai, sofreu um atentado em Amambay. Atiradores atacaram o veículo em que viajava e, segundo o jornal ¿ABC¿, duas pessoas que estavam com ele morreram. O senador foi levado em estado grave ao hospital.