Título: O futuro, no papel
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 28/04/2010, O País, p. 4
Lista de metas do governo para 2022 inclui fim do analfabetismo e do desmatamento
BRASÍLIA. Nove meses antes de se encerrar o governo Lula, o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Samuel Pinheiro, apresentou ontem a primeira versão do que será o Plano Brasil 2022.
Trata-se de um pacote para lá de ambicioso com metas sociais, econômicas e ambientais para o país no ano do bicentenário de sua independência, encomendado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro do ano passado. Para especialistas, o conjunto de metas é descolado da realidade, a começar pelas bases que, supostamente, o sustentarão.
A promessa é alcançar, nos próximos 12 anos, um conjunto de avanços que a nação não obteve ao longo de todo o século 20, seu período de maior desenvolvimento, e nem durante os oito anos da era Lula.
A lista de objetivos do ministério propõe erradicar o analfabetismo pleno e funcional (incapacidade de compreender textos curtos), universalizar o ensino integral, acabar com a desnutrição e reduzir à metade a mortalidade infantil. As metas incluem ainda a eliminação da pobreza absoluta (número de pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia, que hoje representa 21% da população), a incorporação dos beneficiários do Bolsa Família ao setor produtivo e a redução a zero do déficit de seis milhões de moradias.
Nas contas do ministério, seria possível zerar o desmatamento da Amazônia em cinco anos e o do Cerrado até 2022. Enquanto hoje só 24% dos domicílios têm internet e a banda larga não chegou a 57% dos municípios, pretendese levar a navegação em alta velocidade a toda a população. A onda de erradicação inclui até a gravidez indesejada na adolescência, que o governo promete abolir. Atualmente, em cada mil gestantes, 86 têm entre 15 e 19 anos, média bem superior à mundial (50) e à da América Latina (72).
Para que tudo isso seja possível, a SAE projeta um crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de 7% ao ano. Ex-ministro da Fazenda, o economista Mailson da Nóbrega diz que esse ritmo de expansão é improvável num horizonte tão curto e, caso se confirme, pode gerar desequilíbrios na economia, como o descontrole inflacionário.
Segundo ele, a taxa provável é de 4,5% a 5%, com base nas condições atuais. O próprio governo, nos estudos para o Plano de Aceleração de Crescimento 2 (PAC-2), projeta percentual mais modesto até 2014 (5,5% ao ano).
¿ Quem fez esse estudo estava no mundo da lua ¿ critica, comparando as informações a um exercício escolar, cujos números não batem.
Mailson explica que a taxa de poupança interna do país (aquilo que famílias, empresas e governos poupam), hoje em 16% do PIB, deveria subir a 25% para viabilizar as metas. Os gargalos em aeroportos e ferrovias teriam de ser resolvidos. Além disso, reformas estruturais, como a tributária, teriam de sair do papel.
¿ Nem o governo militar, com o tacão na mão, conseguiu tudo isso ¿ acrescenta.
Na área econômica, Pinheiro citou a universalização do emprego formal, embora o Ministério do Trabalho preveja um aumento de 44% para 60%. Nem em países desenvolvidos a formalidade atinge a totalidade. O ministro quer alcançar a igualdade salarial entre homens e mulheres; negros e brancos.
Neste último caso, as disparidades se dão, não raro, por diferenças na qualificação dos dois grupos, o que leva tempo para equilibrar.
Na apresentação, o ministro não detalhou como implementar as metas.
Questionado, afirmou que elas são ambiciosas, mas exequíveis. E negou que a finalidade seja eleitoral.
¿ Durante muito tempo, segundo os estudos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo, até que entrou em estagnação. Portanto, não são metas irreais. Em determinados momentos da nossa história, nós crescemos de forma muito superior a 7%. Outros países crescem a esse nível. Não é fora da capacidade do povo brasileiro.