Título: Para a União, lei é fruto de acordo
Autor: Brígido , Carolina
Fonte: O Globo, 29/04/2010, O País, p. 3

Mas há discordâncias no governo sobre a tese BRASÍLIA. Embora esteja dividido internamente sobre o tema, o governo federal apresentou no julgamento de ontem posição amplamente favorável à Lei da Anistia. A sustentação oral em plenário coube ao advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Ele ponderou que todos compartilham do sentimento de ¿aviltamento moral e físico¿ aos atos da ditadura. No entanto, afirmou que a anistia é fruto de um acordo político firmado entre militares e civis num momento em que a prioridade era devolver a democracia ao país.

Embora tenha sido representado no julgamento pela AGU, o governo federal reúne opiniões divergentes sobre a validade da Lei da Anistia. Os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores concordam com a posição defendida ontem pela AGU. Por outro lado, a Secretaria de Direitos Humanos, do ministro Paulo Vannuchi, e o Ministério da Justiça defendem a responsabilização do agentes públicos acusados de tortura durante o regime militar.

Assim como fez o relator do processo, ministro Eros Grau, Luís Inácio Adams lembrou que a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) participou da luta pela anistia, em 1979.

Ele citou um parecer daquele ano, escrito por Sepúlveda Pertence ¿ exministro do STF que, à época, era representante da Ordem nas negociações ¿, no qual é defendida a anistia para todos, ainda que os militantes políticos saíssem prejudicados com a lei. Para Adams, anistia é ¿perdoar, esquecer¿.

¿ Mudar essa interpretação, além de romper o compromisso anterior, atinge situações jurídicas já consolidadas ¿ sustentou o advogado da União.

Adams acrescentou que, apesar de defender a Lei da Anistia, o governo brasileiro faz esforços na direção da ¿busca da verdade¿ e oferece ¿medidas compensatórias¿ às vítimas do período, como as indenizações financeiras. Ele também citou como importante o reconhecimento, por parte do Estado, de responsabilidade pelos desaparecidos políticos da guerrilha do Araguaia.

¿ Anistia é ato político que consiste na extinção dos efeitos penais, e não na extirpação da memória dos fatos ocorridos. Reconhecer a legitimidade da Lei da Anistia é diferente de defender condutas merecedoras de repúdio ¿ disse.

A sessão de ontem começou com a manifestação do jurista Fábio Konder Comparato, que falou em nome da OAB. Ele sustentou que a Lei da Anistia prejudicou os militantes, pois excluiu do benefício quem já tinha sido julgado por tribunais militares.

Para o advogado, rever a Lei da Anistia seria uma forma de conferir justiça a quem lutou contra as arbitrariedades da ditadura.

¿ É lícito e honesto que governantes e seus subordinados que tenham mandado e executado durante anos a fio crimes de violência fiquem impunes? ¿ questionou.

Comparato foi sucedido por outros quatro advogados, todos a favor da mesma tese. Por fim, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu a interpretação ampla da Lei da Anistia.

Ele sugeriu que uma eventual revisão da lei poderia dificultar a abertura dos arquivos da ditadura.

Gurgel também lembrou que a norma foi fruto de um amplo debate nacional, com a participação da OAB: ¿ Todos sabemos do papel da OAB no processo de construção da anistia ampla, geral e irrestrita.