Título: STF: anistia é ampla e irrestrita
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 30/04/2010, O País, p. 4

Por 7 votos a 2, Supremo confirma que lei perdoou agentes da ditadura e opositores

Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve ontem a validade da Lei da Anistia, que, em 1979, beneficiou agentes do Estado e militantes da oposição que cometeram crimes durante a ditadura militar. Com isso, continuará impossível abrir processo judicial contra torturadores, por exemplo. A maioria dos ministros considerou que a anistia foi amplamente negociada entre civis e militares e firmou-se como um marco político fundamental para pavimentar a transição do regime autoritário para a democracia. Além disso, por ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, o Judiciário não teria poderes para mudar a lei.

A decisão foi tomada no julgamento de uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a amplitude da Lei da Anistia. A intenção era excluir do perdão os crimes hediondos praticados pelos militares - tais como tortura, estupro e desaparecimento forçado - por serem crimes comuns, e não políticos. Na ação, a OAB ressaltou que a Constituição de 1988 não permite o perdão a crimes hediondos.

- Não consigo entender como a mesma OAB, que teve participação decisiva na aprovação dessa lei, 30 anos depois venha rever o seu próprio juízo como se tivesse acordado tardiamente - disse Cezar Peluso, presidente da Corte, ao anunciar o resultado do julgamento.

O julgamento começou na quarta-feira, com o voto do relator, ministro Eros Grau - ele mesmo, vítima de prisão e tortura na ditadura. Eros defendeu que a lei não pode ser examinada sob a ótica dos valores atuais, mas com a visão de que, à época, foi a única saída negociável para enterrar o regime totalitário pacificamente. Eros lembrou que a própria OAB protagonizou as negociações em 1979. O mesmo fato foi mencionado por outros ministros. Votaram com o relator Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cezar Peluso. Apenas Ricardo Lewandowski e Ayres Britto discordaram.

"Brasil fez opção pela concórdia"

Em seu voto, Eros Grau ponderou que anistia não significa esquecimento ou perdão aos crimes cometidos contra os direitos humanos. Ele defendeu que, para fechar essa ferida histórica, sejam disponibilizados os arquivos da ditadura à sociedade brasileira. Os demais ministros da Corte concordaram.

- O dever do Estado de descobrir a verdade sobre a ditadura não está em questão. Todo povo tem o direito de conhecer sua história, de saber mesmo dos seus piores momentos. O Brasil ainda procura saber exatamente a extensão do que aconteceu - concordou Cármen Lúcia.

Marco Aurélio Mello defendeu que o STF sequer votasse a ação da OAB. Para ele, não faria sentido, já que os crimes cometidos pelos agentes da ditadura teriam prescrito. No Brasil, o crime com prescrição mais longa é o de homicídio: 20 anos. Os demais ministros concordaram com o cálculo da prescrição, mas consideraram o motivo fraco para impedir o julgamento. Marco Aurélio concordou com o relator, por considerar a anistia um ato necessariamente bilateral, fundamental para a pacificação social.

O primeiro ministro a votar contra o relator foi Ricardo Lewandowski. Ele argumentou que crime de tortura não pode ser considerado político, e, para sustentar a tese, citou julgamentos do próprio STF confirmando esse entendimento. Para ele, a lei não poderia beneficiar torturadores. Lewandowski defendeu que juízes e tribunais analisassem cada situação antes de decidir se o crime cometido contra o agente público foi político - nesse caso, abrangido pela Lei da Anistia - ou comum, passível de processo judicial.

Carlos Ayres Britto foi o único a concordar com Lewandowski. Ele ressaltou que a lei não faz referência clara à anistia a criminosos hediondos. Portanto, eles não poderiam ser perdoados. O ministro afirmou que tortura e estupro, por exemplo, são crimes tão graves que não podem ser considerados políticos:

- O torturador não é um ideólogo. Ele não comete nenhum crime de opinião, nenhum crime político, portanto. Um crime político pressupõe um combate ilegal à estrutura jurídica do Estado. O torturador é um monstro, um desnaturado, um tarado. O torturador experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios. É uma espécie de cascavel que morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com os torturadores.

Peluso, último a votar, ressaltou a "grandiosidade" do voto de Eros, levando em consideração a história de vida do colega. Assim como Marco Aurélio, Peluso ressaltou que todos os crimes da ditadura estariam prescritos hoje. Portanto, a demanda da OAB, se atendida, não teria efeito prático. O presidente da Corte também chamou os torturadores de "monstros":

- O Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia. Se eu pudesse concordar com a afirmação de que certos homens são monstros, os monstros não perdoam, só o homem perdoa.