Título: Armadilha monetária e cambial
Autor: Batista JR. , Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 01/05/2010, Opinião, p. 7

Anteontem, o Copom deu uma pancada nos juros, aumentando a taxa básica para 9,5%. Com isso, ampliouse ainda mais o já elevado diferencial entre os juros brasileiros e os praticados pelos principais bancos centrais do mundo. O Comitê de Mercado Aberto do Fed confirmou, na quartafeira, que manterá a taxa básica entre zero e 0,25%. O Banco Central Europeu vem mantendo a taxa de juro em 1%; o Banco da Inglaterra, em 0,5%; o Banco do Japão, em 0,1%.

No Brasil, criou-se a expectativa de que esse aumento é o início de um ciclo de alta dos juros. O Fed, em contraste, continua empenhado em sinalizar que praticará juros excepcionalmente baixos por um período prolongado. No Japão e na Europa, os bancos centrais fazem o mesmo.

Não quero discutir, neste momento, se o Copom tem ou não razão em aumentar os juros. Digo apenas o seguinte: dificilmente escaparemos ilesos dessa combinação de juros altos e expectativa de juros ainda maiores no Brasil, de um lado, e juros próximos de zero e expectativa de juros muito baixos por muito tempo nos centros emissores de moeda de liquidez internacional, de outro.

É a receita para a sobrevalorização persistente do real, com efeitos adversos sobre as exportações, as contas externas e o setor industrial.

Nos países avançados, ou na maioria deles, o quadro macroeconômico pode ser resumido da seguinte maneira. A recuperação das economias começou, mas não está consolidada. O desemprego se mantém em níveis elevados. Não há grande risco de inflação à vista.

Por outro lado, a crise de 2008-2009 destrocou as finanças públicas de grande parte do Primeiro Mundo. O caso da Grécia é extremo, mas muitos países desenvolvidos, grandes e pequenos, estão com sérios problemas fiscais. A grande recessão, os pacotes fiscais de reativação e os programas de salvamento do sistema financeiro desestabilizaram as finanças governamentais.

Os mercados começaram a especular agressivamente contra governos com contas frágeis, começando pela Grécia, mas já afetando Portugal, Espanha e outros europeus. Conclusão: apesar de a recuperação da economia não estar consolidada, os governos terão que apressar os seus planos de ajustamento fiscal, cortando gastos ou aumentando impostos. Alguns podem adiar um pouco mais o ajuste, mas os que estão na mira dos mercados financeiros terão de tomar medidas já. O tamanho do ajuste fiscal exigido da Grécia será de rachar quarteirão.

Como evitar que o ajuste fiscal provoque a recaída na recessão? A Grécia e outros não têm essa opção. Mas os principais países desenvolvidos, os EUA à frente, já desenharam uma estratégia de saída da crise. Manterão políticas monetárias frouxas, com juros baixos, próximos de zero. Além de estimular a demanda privada interna, essa política monetária frouxa tende a provocar depreciação da moeda nacional, favorecendo as exportações e encarecendo as importações. Querem sair da crise exportando para o resto do mundo.

Em outras palavras, haverá provavelmente superabundância de liquidez em dólares para os países emergentes e em desenvolvimento ¿ principalmente para aqueles que praticarem juros muito altos.

Qual o papel previsto para países como o Brasil nessa estratégia? Aceitar a apreciação da moeda nacional, importar mais, exportar menos e acumular déficits crescentes nas contas externas.

Já começamos a dar a nossa contribuição.

O superávit comercial deve cair para US$ 10 bilhões em 2010; o déficit em conta corrente deve subir para quase US$ 50 bilhões, segundo projeções do Banco Central.

A China resiste a cair nesse conto do vigário.

O Brasil também não tem por que aceitar esse jogo. O ideal seria moderar o impeto da política de juros, manter as contas públicas em ordem e controlar a expansão do crédito. Além disso, será provavelmente recomendável acumular reservas internacionais, adotar medidas prudenciais no sistema financeiro e reforçar os controles sobre a entrada de capital e as operações financeiras externas (inclusive derivativos).